Política
Pequenos partidos: Agora sim, livre de Joacine
Após longos meses de tensão entre membros do Livre e Joacine Katar Moreira, a nova direção do partido votou a retirada de confiança à respetiva deputada. Joacine passa assim a ser uma deputada não inscrita na Assembleia da República. Tal decisão traz consequências tanto para a deputada como para o partido.
Livre: da fundação à eleição de Joacine Katar Moreira
Fundado em março de 2014 por Rui Tavares, o Livre participou pela primeira vez em eleições nas Europeias de 2014, três meses após a sua fundação, nas quais recolheu 71.602 votos (2,18%). Tais resultados para um partido em estreia encheram Rui Tavares de confiança e esperança para eleições posteriores. Apesar do excelente resultado nas Europeias, as Legislativas de 2015 traduziram-se em apenas 39.340 votos (0.73%). Não obstante, o fundador não viu o resultado como uma desilusão eleitoral.
O partido voltou a apresentar lista para concorrer às Europeias e às Legislativas de 2019. Na corrida para novas eleições, Rui Tavares revelou à Lusa, que “2019 será o ano da viabilização do Livre” e que “a meta para este ano é eleger deputados, no Parlamento Europeu e na Assembleia da República”.
Os resultados das Europeias 2019 não fizeram jus às expectativas de Rui Tavares, cabeça de lista por Portugal. O partido só conseguiu reunir 60.575 votos (1,83%), não elegendo nenhum deputado. Não obstante, o partido entrou na corrida às Legislativas 2019 com grande força, colocando a justiça social, a igualdade e a justiça ambiental como bandeiras de campanha.
A nomeação de Joacine Katar Moreira como cabeça de lista por Lisboa veio reforçar a esperança do partido. Ao podcast Vichyssoise, do Observador, Rui Tavares, comentando a polémica entrevista da deputada que levou a sua gaguez a debate público, convidou as pessoas a ouvirem a coerência dos discursos da candidata, dizendo-se orgulhoso por ser o Livre a protagonizar o momento histórico de levar pela primeira vez uma mulher negra ao parlamento como cabeça de lista.
Primeiras semanas de Joacine no Parlamento
A 6 de outubro de 2019, com 57.172 votos (1,09%), o partido conseguiu eleger Joacine para o Parlamento, colocando assim, pela primeira vez, um dos seus membros nos órgãos de poder nacionais.
Por entre um pedido à Assembleia para que a deputada tivesse “tolerência de tempo”, uma primeira intervenção na qual referiu a questão da nacionalidade e uma esperança de que o partido estivesse presente como observador na Conferência de Líderes, a primeira semana de Joacine foi ocupada pela elaboração de um projeto de lei para dar honras de Panteão Nacional a Aristides de Sousa Mendes.
Problemas estruturais
No entanto, a relação entre a deputada e o partido rapidamente se começou a deteriorar. Na reunião plenária de 22 de novembro de 2019, Joacine absteve-se do voto apresentado pelo PCP para a “condenação da nova agressão israelita a Gaza e da declaração da Administração Trump sobre os colonatos israelitas”. No dia seguinte, o partido emitiu um comunicado no qual afirmou que o voto de Joacine “não reflete as tomadas de posição oficiais do partido”.
O Livre entrou então em grave crise política. Joacine veio a público dizer que se absteve por não ter conseguido contactar o Grupo de Contacto. Mais tarde, na festa de aniversário do partido, Joacine afirmou que ganhara as eleições sozinha, sem apoio do partido. Foram declaradas dificuldades de comunicação interna, e o processo seguiu para o Conselho de Jurisdição, que o remeteu para a Comissão de Ética e Arbitragem, a qual reafirmou por sua vez a confiança no Grupo de Contacto, mas não na deputada.
Os restantes meses continuaram a ser marcados por momentos de tensão, como a falha na entrega da Lei da Nacionalidade no Parlamento pela deputada do Livre – devido a desconhecer o prazo, soube-se mais tarde – (lapso agravado pelo facto de se tratar de uma das bandeiras do partido), o episódio da escolta pela GNR para evitar jornalistas, o apagar da conta do Twitter por Joacine e pelo seu assessor, Rafael Esteves Martins, e a demissão de Miguel Dias, fundador e candidato por Setúbal.
Durante este tempo, a deputada foi ainda vítima de fake news, como a que noticiava que queria reformular a bandeira portuguesa por ser “imperialista”.
A rutura de Joacine com o Livre
Aproximando-se o IX Congresso do Livre, o mês de janeiro começou com candidaturas aos órgãos de direção do partido. Joacine Katar Moreira ficou fora das listas, assim como Rafael Esteves Martins, seu assessor. Foi também entregue uma moção de retirada de confiança, a qual pedia que a deputada renunciasse às suas funções ou que lhe fosse retirada a confiança política. A moção foi retirada no Congresso, marcado por grande exaltação por parte da deputada, após críticas de Ricardo Sá Fernandes. Deu-se uma votação, concluindo-se que a decisão passaria para a próxima direção.
A nova direção marcou então uma reunião extraordinária para tomar decisões. Após alguns problemas quanto ao convite de Joacine para a assembleia, esta terminou com a decisão de retirar a confiança política à deputada.
Joacine decidiu manter-se como deputada não inscrita, enviando a sua carta de resignação ao Livre. Dias depois, numa manifestação de apoio a Cláudia Simões, Joacine Katar Moreira afirmou: “Que ninguém me diga que eu não estou onde devia estar. Eu nasci para estar ali [no Parlamento].”
Livre, enfim. E agora?
As tensões dentro do Livre trouxeram consequências à deputada e ao partido.
Para além da crescente desvinculação de membros – Rafael Esteves Martins, Pedro Selas, Hélder Filipe de Azevedo, entre outros -, o partido perde o seu assento no parlamento, sendo que Joacine continua como deputada não inscrita, não dando lugar a Carlos Teixeira, segundo candidato do Livre por Lisboa. Não obstante, as 32 propostas de alteração à Lei do Orçamento de Estado seguiram para votação, tendo estas sido apresentadas antes da rutura.
Todo o processo levou a alguma reticências por parte dos apoiantes em confiar de novo o voto no partido. Consciente disso, o Livre aprovou uma moção de estratégia no seu último congresso, na qual levanta várias metas para o futuro, nomeadamente a certeza de que nas presidenciais surja “uma candidatura que dê prioridade aos princípios do nosso partido”.
A deputada não inscrita também sofre algumas consequências, nomeadamente na perda de direitos no parlamento. Joacine passa agora a ter apenas direito a duas declarações políticas por sessão legislativa, contra as anteriores cinco, sendo estas apenas de um minuto. Fica também sem o direito de intervir em debates sobre o Programa do Governo, no do Estado da Nação e nos quinzenais. Para além disso, Joacine perdeu popularidade consideravelmente desde novembro de 2019 (de 6,3 para 5,0 pontos percentuais) face a outros deputados da assembleia, segundo um estudo da Aximage para o Jornal Económico.
Texto da autoria de Marco Matos. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.