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Brasil: Pandemia despoleta crise política

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São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela Covid-19 (Foto: Shutterstock)

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, declarou, nos últimos pronunciamentos em rede nacional, ser contra as medidas de isolamento e distanciamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar das declarações, os governadores estaduais seguiram as recomendações da OMS e colocaram em prática as ações em seus estados.

Após o pronunciamento de Bolsonaro, Ronaldo Caiado, médico e governador de Goiás, aliado de Bolsonaro, rompeu publicamente com ele e admitiu que achou que o vídeo fosse uma montagem.

Frente a frente entre a política federal e estadual

Numa videoconferência realizada com os governadores da região sudeste, onde se localizam os estados brasileiros mais afetados pela pandemia, o presidente trocou acusações com João Dória, governador de São Paulo, que decretou quarentena obrigatória no estado até o dia 22 de abril.

Atualmente, São Paulo é o estado com o maior número de casos (8.755) e mortes no Brasil (508). Mesmo com a pressão presidencial, os governadores afirmaram que vão manter as medidas de isolamento e os secretários estaduais de Educação mantiveram a suspensão das aulas.

O doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Társon Núñez, identifica que os estados estão propagando uma visão mais racional, mais alinhados aos princípios de orientação da OMS, mas também há critérios de disputa política.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, destacou que a posição do governo é de isolamento e distanciamento social e identifica duas ondas de preocupação com o novo coronavírus, a primeira é a saúde e a segunda é a economia.

Para Núñez, o presidente adota uma postura negacionista, de forma a incorporar o discurso originalmente formado por Donald Trump de que é apenas uma gripe, um vírus criado pela China para prejudicar a economia. “Ele tem atuado deliberadamente no sentido de sabotar as medidas de prevenção a pandemia”, reconhece.

Maioria dos brasileiros é favorável às medidas de confinamento

Segundo pesquisa realizada pelo instituto Datafolha, 76% dos brasileiros acreditam que o mais importante para enfrentar a pandemia é manter as medidas de isolamento social e deixar as pessoas em casa.

Ainda quando questionados sobre o fechamento do comércio, a suspensão de aulas e quanto tempo o isolamento deve durar, 65% disse que os estabelecimentos não essenciais devem continuar fechados, 87% afirmou que as aulas devem continuar suspensas e 71% se diz a favor de proibir de sair de casa quem não trabalhe em serviços essenciais.

Nessa mesma pesquisa, 82% dos brasileiros disseram aprovar o trabalho do Ministério da Saúde.

Ataques ao Ministério da Saúde

Apesar de ter o trabalho reconhecido pela maioria dos brasileiros, o ministro da Saúde foi ameaçado de demissão por Jair Bolsonaro, no dia 6 de Abril. Luiz Henrique Mandetta bateu de frente com o presidente por causa da quarentena ampla, defendida pela OMS.

O ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, já havia sido cotado como substituto de Mandetta para o cargo. Ele defende o fim do isolamento social, alega que a medida não resolve e pode prejudicar a economia, mesma posição defendida pelo presidente.

No final do mesmo dia, Bolsonaro recuou e desistiu de demitir o ministro. Em entrevista na rede nacional brasileira no dia 12 de Abril, o ministro disse esperar que as diferentes formas de enfrentamento da pandemia possam ser comuns e destacou a importância de uma fala única. “Essa situação leva pro brasileiro uma dubiedade, ele não sabe se escuta o ministro da saúde ou o presidente”, alega Mandetta.

Segundo ele, os três principais pilares para enfrentar a pandemia são o foco, a disciplina e a ciência. Núñez avalia que o ministro já está a ver que a situação irá se agravar, mas está a abrandar para pelo menos conseguir preservar o capital político. “Num momento em que todos deveriam estar preocupados com uma situação de vida ou morte, estão mais preocupados com interesses políticos”, reconhece o doutor em Ciência Política.

Estados encontram formas de contornar passividade do governo federal

O Ministério da Saúde é responsável pela coordenação de ações e pelo repasse de recursos aos estados para combater a pandemia. O governador do Piauí, Airton Dias, diz precisar do governo federal. “Não tenho como não trabalhar com ele, vamos manter civilidade”, alegou o governador da região Nordeste.

Os governos dessa região criaram um consórcio para compra de equipamentos como forma de driblar a falta de recursos.

Para Núñez, há uma desorganização do ponto de vista da institucionalidade federativa. “O sistema federativo brasileiro é bastante desequilibrado pois sempre operou em sentidos contraditórios, uma no sentido da centralização e outro no sentido da descentralização”, explica Núñez.

Além disso, o cientista político reconhece que a situação das unidades federativas no Brasil é muito desigual. “Temos São Paulo que é responsável por quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e no outro extremo temos estados que vivem uma situação fiscal brutal, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais”, avalia Núñez.

O cenário político brasileiro e a pandemia de coronavírus no país tem pouca perspectiva de melhoria. O agravamento do quadro sanitário e uma recessão económica estão por vir. “O ambiente ficará muito mais propício para radicalizações”, admite o doutor em Ciência Política.

Para Núñez, o cenário ideal seria a renúncia do presidente Jair Bolsonaro e a criação de um governo capaz de unir o país e articular um conjunto de forças políticas. “A minha sensação é de estar a bordo do titanic com o iceberg se aproximando rapidamente e com poucas expectativas de que o comandante vá mexer na direção do barco”, conclui Núñez.

 Texto da autoria de Maria Moráz. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.

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