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Política

COVID-19: Como a pandemia revelou a ameaça à democracia na Hungria

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Viktor Orban, primeiro-ministro húngaro, discursa a 15 de Março. em Budapeste, durante as comemorações da Revolução de 1848. Fonte: https://fidesz-eu.hu

Viktor Orban, primeiro-ministro húngaro, discursa a 15 de Março. em Budapeste, durante as comemorações da Revolução de 1848. Fonte: https://fidesz-eu.hu

Quando a pandemia chegou ao país em março, Orbán levou a parlamento uma votação para permitir o seu governo por decreto por tempo indeterminado.  A proposta foi aceite após o primeiro-ministro ter argumentando que esta seria essencial para o controlo do vírus na Hungria.

No entanto, este aumento de poder levou a que leis aprovadas como a condenação, com pena de prisão, de indivíduos que propagassem informações falsas sobre o vírus ou mesmo lançassem algum alarme social pusessem em causa a liberdade de imprensa e também dos húngaros. Foram várias as vozes contra estas medidas na UE, sendo a mais sonante a de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o que levou a que esta mesma comissão iniciasse uma investigação.

Além disso, o governo de Viktor Orbán aproveitou o seu poder reforçado para fazer com que leis irrelevantes para a pandemia fossem aprovadas, o que causou inquietação tanto a nível nacional como internacional. Na semana passada, o chefe de gabinete de Orbán informou que o estado de emergência não seria revogado além de junho.

A nova “era cultural” na Hungria

Depois do regime soviético na Hungria ter sido derrubado no final dos anos 90, vários grupos de jovens apareceram para pedir um novo rumo para o país. Um deles foi a Aliança de Novos Democratas e o seu líder era Viktor Orbán, que impressionou todos com um discurso feito em junho de 1989, pedindo para que as tropas soviéticas ainda presentes no país fossem embora.

Não demorou muito para que Orbán subisse a escada política até que, em 1998, tornou-se primeiro-ministro da Hungria. No entanto, após não ter conseguido a reeleição, Orbán começou a defender que era necessária uma mudança fundamental no país já que, segundo ele, a sua derrota tinha acontecido devido aos resquícios do comunismo nas instituições públicas e privadas.

Assim, após ter dito aos seus apoiantes que “Nós precisamos apenas de vencer uma vez, mas devidamente”, Orgán, num novo mandato, mudou a constituição e as leis que regulam as eleições. Isto, aliado ao controlo da Academia de Ciências Húngara e à introdução de um plano “cultural” que tem como missão “preservar a identidade nacional, a soberania e tradições sociais cristãs”, permitiu que nestes últimos dez anos, Orbán tivesse pleno controlo dos seus cidadãos. Esta mudança drástica levou a que o país, segundo a Freedom House, começasse a ser considerado “parcialmente livre”, isto é, a sua democracia encontra-se em risco.

O braço de ferro com a UE

A liberdade de imprensa e de todos os críticos do governo foi alvo de atenção internacional após o início da pandemia pois, com o seu poder reforçado, Orbán conseguiu aprovar uma lei que defende pena de prisão a todos aqueles que espalhem informações falsas ou boatos. No entanto, criticar o primeiro-ministro ou o seu governo é também considerado uma infração a esta lei. Esta situação levou a que vários ativistas fossem detidos ou perseguidos pelas autoridades em consequência de comentários contra o governo nas redes sociais.

Ursula von der Leyen, presidente da comissão europeia, foi uma das vozes críticas ao novo modelo de governo por decreto na Hungria. Ao jornal alemão Bild am Sonntag, Von der Leyen assegurou que a UE estaria pronta a agir “se as restrições fossem além do que é permitido.”, acrescentando que estas mesmas restrições deviam ter um tempo limite e ser “democraticamente controladas”.

Viktor Orbán numa sessão parlamentar para votar a possibilidade de o governo por decreto após a pandemia ter chegado ao país. Budapaste, Hungria no dia 30 de março de 2020. (Zoltan Mathe/MTI via AP Images)

Viktor Orbán numa sessão parlamentar para votar a possibilidade de o governo por decreto após a pandemia ter chegado ao país. Budapaste, Hungria no dia 30 de março de 2020. (Zoltan Mathe/MTI via AP Images)

No entanto, esta não é a primeira vez que as políticas de Orbán desafiam a UE. No ano passado, foi revelado que vários migrantes detidos nas chamadas “zonas de transição” à espera da aprovação de asilo não estavam a ser alimentados. Após denúncias de ativistas do país, a Comissão Europeia decidiu levar o governo húngaro ao Tribunal Europeu de Justiça pelo seu tratamento de migrantes. O tribunal decidiu em favor da Comissão e declarou que a existência de “zonas de transição” ia contra as leis da UE.

Depois da pandemia

A 26 de Maio, o governo húngaro anunciou o fim do estado de emergência e do governo por decreto para o fim de junho. Ao mesmo tempo, Orbán levou ao parlamento uma lei que permite, caso haja uma emergência de saúde, que Orbán possa voltar a governar por decreto sem aprovação do parlamento. Este poder permite a aprovação e suspensão de qualquer lei, além da capacidade de declarar estado de emergência caso o governo assim decida. Todas estas medidas não poderiam ser revistas do ponto de vista judicial, pondo em causa mais uma vez a liberdade dos húngaros.

As consequências deste governo por decreto já se fizeram sentir na sociedade. Durante este período, foi aprovada uma lei que  proíbe a mudança de sexo em documentos legais, colocando em risco cidadãos transgéneros. Isto foi visto por organizações como a Humans Rights Watch como uma violação dos direitos humanos internacionais. Além disso, as ruas foram invadidas por protestantes da extrema-direita que pediam o fim do programa de integração de migrantes e uma maior vigilância policial. Nestes protestos, não existiu presença policial ao contrário do que verificou num buzinão contra o governo de Orbán, onde foram aplicadas multas elevadas.

Artigo da autoria de Beatriz Carvalho. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.