Política
ELEIÇÕES EUA: Trump e a extrema-direita
A subida ao poder de Trump com o auxílio da extrema-direita
Quando Donald Trump anunciou a sua candidatura à presidência dos EUA, em 2015, poucos eram os que acreditavam numa vitória. No entanto, uma plataforma assumidamente anti-imigração e uma postura anti-sistema face ao poder político (drain the swamp), apelavam diretamente às frustrações de muitos americanos, começando aos poucos a atrair uma minoria outrora silenciosa.
Os grupos de extrema-direita viram em Trump uma voz capaz de os representar contra o poder político e de justificar as suas ideias no espaço público. Desde o tempo do Ku Klux Klan (KKK), uma organização que tinha como objetivo preservar a supremacia branca após o fim da guerra civil e da abolição da escravatura, que a extrema-direita não tinha tal presença na sociedade norte-americana. Desde então, o presidente recusou-se várias vezes a condenar grupos extremistas, como aconteceu no debate presidencial com Joe Biden.
A atitude de Trump ao pedir para a extrema-direita “ficar atenta” foi vista por Kamala Harris, candidata democrata à vice-presidência, como uma demonstração de que o presidente é “alguém que não condenará supremacistas brancos”. Uma semana após o debate, o FBI viria a revelar que um grupo de extrema-direita planeara raptar a governadora democrata do Michigan, Gretchen Whitmer. O grupo pretendia rebater assim as medidas restritivas aplicadas durante a pandemia e também as duras críticas feitas ao presidente dos EUA.
O homem que deu voz à extrema-direita
Na sua primeira campanha, Donald Trump nunca escondeu as suas visões anti-imigração e xenófobas. Prometeu a construção de um muro na fronteira do México, a ser pago pelos “vizinhos” – algo que não aconteceu até o momento. Face a uma sociedade extremamente dividida e polarizada, Donald Trump viu a oportunidade perfeita para culpabilizar medidas tomadas com o objetivo de promover a igualdade e diminuir diferenças entre classes, géneros e etnias, pelos problemas que o país enfrentava. Este tipo de discurso atraiu muitos homens brancos, membros de grupos extremistas, que se sentiam esquecidos pelo establishment político e discriminados pelas elites intelectuais do país.
As redes sociais foram o local perfeito para disseminar a sua mensagem. No Twitter, a sua plataforma de eleição, foram várias as vezes em que partilhou publicações de pessoas ligadas à extrema-direita. Quando confrontado, como aconteceu quando partilhou uma frase de Mussolini, líder fascista italiano, Donald Trump pareceu ser sempre capaz de evitar escândalos. Ao LA Times, disse que “Mussolini foi Mussolini” e que a frase partilhada “era uma ótima e interessante citação”.
Segundo uma investigação da Media Matters, Trump promoveu contas relacionadas ao QAnon mais de 258 vezes no Twitter. A QAnon é uma organização que espalha teorias de conspiração sobre várias figuras importantes da sociedade americana, resultando no assédio e na perseguição destes indivíduos de forma tão grave que o FBI considerou este grupo responsável por terrorismo doméstico.
Não demorou muito para que as opiniões de Trump passassem do mundo virtual para o real. Os seus rallies, que continuaram a ser organizados durante a sua presidência, inclusive em período de pandemia, continuaram a atrair cada vez mais pessoas. Nem as controvérsias sobre os impostos de Trump, que forem recentemente reveladas numa reportagem do The New York Times, ou as várias acusações de assédio sexual foram suficientes para espantar apoiantes. Donald Trump tinha conseguido encontrar a fratura que dividia o país e, com um discurso movido pelo ódio às minorias, o homem de negócios tinha-se transformado na maior voz a favor da extrema-direita.
Foi assim que “the Donald” ganhou o apoio de várias figuras polêmicas, como Richard Spencer. O presidente do National Policy Institute (NPI), defensor da formação de um estado branco, afirmou que “antes do Trump, as nossas ideias de identidade, ideias nacionais, não eram bem-vindas”.
“Pessoas muito boas nos dois lados”
Num país tão polarizado como os EUA, a eleição de Trump veio evidenciar e potenciar as diferenças fundamentais entre americanos. Muitos foram os protestos a favor e contra o novo presidente, mas poucos eventos marcaram a presidência de Donald Trump como o de Charlottesville, na Virgínia. Em agosto de 2017, o grupo Proud Boys (o mesmo que o presidente se recusou a condenar no primeiro debate presidencial com Biden) organizou um protesto contra a remoção de uma estátua de um general da confederação. Membros de grupos antifascistas acudiram ao local, em resposta, protestando contra a agenda racista dos extremistas. O evento tornou-se rapidamente violento, acabando com o atropelamento de vários protestantes antifascistas, e a morte de um.
Num momento trágico para o país, pedia-se a Trump uma resposta clara contra todos aqueles que promoviam o racismo e a extrema-direita. Recusando-se a condenar os grupos extremistas envolvidos no incidente, o presidente disse mesmo que nem todos os membros dessas organizações eram neo-nazis e que existiam “pessoas muito boas nos dois lados”.
Não demorou muito para que surgissem críticas ao discurso de Trump, incluindo de representantes do seu partido. Paul Ryan, republicano e defensor do presidente, disse mesmo que os comentários eram “errados” e “equivocados”. O evento, na altura o maior protesto da extrema-direita nos Estados Unidos em anos, e a consequente morte de um dos protestantes, foram de tal forma chocante que, segundo Joe Biden, foi nesse momento que se decidiu candidatar, depois da resposta insuficiente de Donald Trump.
Trump vs pandemia vs movimento BLM
O presidente dos EUA nunca reconheceu a pandemia como sendo uma verdadeira ameaça. Trump disse várias vezes que o vírus “acabaria por desaparecer”, que as crianças eram “virtualmente imunes” ao COVID-19 e que este era “menos letal” que o vírus da gripe. Mesmo após a sua infeção e rápida recuperação, devido ao acesso a medicamentos inacessíveis a outras pessoas no seu país, o presidente continuou com a mesma resposta no combate ao vírus: ignorar os especialistas em epidemiologia e focar-se somente na evolução da economia.
A pandemia demonstrou também as disparidades no sistema de saúde americano. Segundo um estudo de abril, apesar de apenas cerca de 32% da população do Louisiana serem pessoas negras, estas constituíam cerca de 70% das mortes devido ao vírus no estado. Além disso, a crise económica resultante da pandemia levou ao aumento da taxa de desemprego, principalmente no referente a trabalhadores negros. Num estudo feito pelo Economy Policy Institute (EPI) entre os meses fevereiro-abril deste ano, verificou-se que a taxa de desemprego na comunidade negra era de cerca 16,7% (o que corresponde a um aumento de 10,9%), face a apenas 14,2% (um aumento de 11,1%) na comunidade branca.
Além disso, a morte de George Floyd no fim do mês de maio, numa operação policial, e a revelação de vários outros casos de violência policial levaram a inúmeros protestos no país. Durante meses, ocorreram protestos pacíficos em várias cidades, levando a que, segundo o The New York Times, o movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”) se tornasse o “maior movimento na história dos EUA”. Os manifestantes pediram justiça, uma total reforma dos sistemas policial e criminal e outras medidas que ajudassem a diminuir as disparidades entre as comunidades brancas e negras, as quais tinham sido evidenciadas durante a pandemia.
A resposta de Trump voltou a causar polémica. O presidente chamou ao movimento “propaganda tóxica” e afirmou que “nunca cederia à tirania”. Em vez de ouvir e analisar as propostas que o movimento apresentava, Trump ordenou o uso de gás lacrimogêneo contra os protestantes, para que pudesse fazer uma caminhada até a uma igreja perto da Casa Branca e, uma vez aí, tirar fotos com uma bíblia na mão.
Será o suficiente?
Depois dos protestos contra o racismo se espalharem por todo o país, Donald Trump começou a procurar alguém que pudesse culpar. ANTIFA, uma organização que luta contra o fascismo, foi o alvo das críticas do presidente, que chegou a apelidar os seus membros de serem “terroristas”, prometendo que faria uma classificação oficial. Aproveitou também para culpabilizar a organização pelo vandalismo nos protestos.
Após Trump ter negado condenar grupos de extrema-direita no debate presidencial, foi revelado o plano de um desses grupos para raptar a governadora do Michigan. O presidente tinha criticado várias vezes Whitmer no Twitter, assim como as suas políticas em tempo de pandemia. Após a revelação do FBI, Trump acabou por fazer um comício onde pediu novamente que a governadora abrisse o estado, seguindo-se um coro de “Prendem-na! Prendem-na!”, à semelhança da campanha contra Clinton em 2016. Face aos desacatos, a governadora acusou o presidente de incitar “terrorismo doméstico”.
A pergunta que fica é: será suficiente a plataforma que Trump fornece à extrema-direita e aos seus ideais para afastar os que votaram nele em 2016 e, desta forma, garantir a sua derrota; ou será que a outrora minoria de extrema-direita se tornou relevante o suficiente para levar a uma reeleição? O futuro dos EUA e de Trump dependerá dos acontecimentos dos próximos meses.
Artigo da autoria de Beatriz Carvalho. Revisto por José Milheiro e Marco Matos.