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Política

“O avô fascista e o neto liberal gay estão à luta nas redes sociais”: O extremismo político, em conversa, nas Political Talks.

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Luís Pedro Nunes e Miguel Almeida Chaves estiveram à conversa no 6º Political Talks da APA. Fonte: Facebook APA

A concordância e a animação marcaram a sexta edição das Political Talks da Academia de Política Apartidária, com o tema “A (In)Consciência Política em 2021”

Miguel Almeida Chaves, professor e investigador em Sociologia na Universidade Nova de Lisboa, e Luís Pedro Nunes, comentador no programa Eixo do Mal, da SIC Notícias, e cronista do jornal Expresso, animaram durante uma hora a conversa, moderada por Nuno Medeiros, que teve como tema principal as razões que explicam o crescimento dos movimentos extremistas em Portugal e no mundo.

Porquê agora?

A pergunta que serviu de mote à discussão teve como objetivo perceber o porquê de agora, neste momento da história, se assistir a uma particular ascensão de movimentos políticos radicais um pouco por todo o mundo.

Miguel Chaves começou por defender que uma “teoria dos extremos”, pelo menos que ele tenha conhecimento, não existe e que não se deve tecer a mesma análise em relação aos movimentos de extrema-direita e de extrema-esquerda, diferentes na sua natureza. Alertando sempre para o facto de não querer parecer leviano, apresentou algumas razões para o crescimento dos radicalismos, como a frustração das expectativas, sobretudo junto das velhas classes médias, face ao tecido político, teorias confirmadas por estudos que remontam já à Segunda Guerra Mundial.

Encadeando as ideias do sociólogo, Luís Pedro Nunes afirmou que Portugal está num momento híbrido, pois ainda há poucos anos “não acreditávamos na possibilidade do surgimento de um partido de extrema-direita como o Chega e com a dimensão do Chega”. Tal incredulidade rapidamente foi abalada, pois o cenário político alterou-se, sendo agora possível este partido fazer parte de uma solução governativa em Portugal. 

“A pandemia pode ser um gerador de radicalismos, nacionalização, fecho de fronteiras”

Ademais, para o cronista, tal fenómeno é ainda mais especial no cenário nacional pois, no que concerne ao campo esquerdo do espectro político, Portugal encontra-se ainda bastante atrasado em número de vozes reacionárias e reivindicativas em relação à extrema-direita, não tendo uma expressiva multitude do que chamou de movimentos woke.

Para fundamentar melhor a sua linha de raciocínio, o comentador trouxe ainda para a discussão o aviso de António Guterres de que a pandemia serve, muitas vezes, de pretexto para cortar direitos, para então afirmar que “a pandemia pode ser um gerador de radicalismos, nacionalização, fecho de fronteiras”. Assim, confessa ter vontade de perceber como esta geração jovem se vai posicionar no pós-pandemia e como o seu discurso se vai alterar face ao fenómeno vivido, especialmente na esquerda. Já no espectro mais à direita, na sua opinião, o discurso vai entranhar-se no terreno, solidificar-se e radicalizar-se ainda mais.

Em conclusão, Luís Pedro Nunes confessou ainda que, se fosse um jovem nos dias que correm, “ia para os extremos, a não ser que me inscrevesse no partido para ganhar um emprego”, pois, a seu ver, o centro não está a conseguir aliciar os jovens, pelo que quem tem motivações para mudar o mundo sente que se tem de radicalizar. Tal movimento é o que leva ao fato de que, hoje, “o avô fascista e o neto liberal gay estão à luta nas redes sociais”.

Bem-vindos ao regime de pós-verdade

Luís Pedro Nunes posicionou-se entre a “perplexidade e o fascínio” em relação a pequenas fações que o Chega consegue atrair e que se tornam num “caldo”. “Como é que esta gente consegue tolerar um homem tão desonesto, que só nos representa num pormenor da nossa vida?”, questionou, dizendo que o mesmo aconteceu com Donald Trump nos EUA, o que deriva de as pessoas deixarem de valorizar a honestidade como um princípio inviolável e um requisito político. Para o cronista, no no mundo contemporâneo os políticos podem defender tudo e o seu contrário, não sendo isso prejudicial para a sua imagem.

“Há uma série de grupos sociais a ficar para trás e a apresentarem-se como os perdedores do processo, entre os quais um conjunto de indivíduos das classes trabalhadoras, que são confrontados com uma diminuição do ponto vista simbólico, mas também do ponto de vista identitário”.

Miguel Chaves concordou, aproveitando a oportunidade para apelidar este momento da história de “regime de pós-verdade”, e deixou a pergunta “O que fazer nestas circunstâncias?”, afirmando que qualquer tentativa de solução seria simplista, devido à complexidade do processo. “Há uma série de grupos sociais a ficar para trás e a apresentarem-se como os perdedores do processo, entre os quais um conjunto de indivíduos das classes trabalhadoras, que são confrontados com uma diminuição do ponto vista simbólico, mas também do ponto de vista identitário”. Estes, então, escolhem como inimigos outros grupos sociais. Tal estratégia é um grande trunfo dos movimentos radicais de direita, que utilizam o constante foco nos escândalos por parte dos media para agregar eleitorado.

Para Luís Pedro Nunes, houve em Portugal, durante muito tempo, uma política de “não se fala sobre os assuntos, está tudo bem, já passou”, como em relação aos temas da descolonização ou das mazelas da guerra colonial, manifestado ironicamente em frases como “Não vais aborrecer o teu avô com a guerra colonial”. Por causa disso, as redes sociais tornaram-se numa “câmara de eco” em que as pessoas se reencontraram. Admite também que se sente limitado no seu trabalho e inibido de tocar em alguns temas porque o “André Ventura já lá foi fazer o seu chichi”. 

O que esperar da próxima década?

Em jeito de conclusão, questionado sobre o que esperar, do ponto de vista político, dos próximos anos em Portugal, Luís Pedro Nunes disse querer não ter razão, mas que pensava que, no futuro, poderia não haver mais espaço para o centro, para a social-democracia, para a direita democrática e também para a ideia da Europa, agora desmembrada e desprezada pelos europeus. 

“Se daqui a 10 anos tivermos vencido esta pandemia, tivermos vencido a integração europeia e estivermos preocupados com o planeta, eu dar-me-ei por contente”

“O preço do Brexit não se está a perceber devido à pandemia, senão estaríamos a analisar o caos que está a viver o Reino Unido”, rematou, explicando que a considerava tal saída um erro e uma consequência do regresso das mentalidades egoístas. 

Por fim, a conversa terminou com uma nota de esperança resignada de Luís Pedro Nunes, em resposta à pergunta colocada pelo moderador. “Se daqui a 10 anos tivermos vencido esta pandemia, tivermos vencido a integração europeia e estivermos preocupados com o planeta, eu dar-me-ei por contente”, concluiu o comentador.

Fundada em 2012, a APA é uma associação juvenil que pretende aproximar os jovens da política, tendo como objetivo tentar compreender a realidade política, económica e social num contexto local, nacional e global, incutindo um espírito de consciencialização cívica através de debates e atividades de ação pedagógica.

Artigo por João Paulo Amorim. Revisto por Marco Matos e José Milheiro.