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Política

A condição da mulher no mundo e a importância do feminismo: desigualdade de género, em conversa, nas political talks

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A 7ª Political Talks contou com a presença de Leonor Valente Monteiro e Marisa Matias

Porque é que, no século XXI, ainda precisamos de legislação que suporte e proteja a igualdade de género? Se ainda é necessário que a Constituição de um país preveja estas situações, qual é a verdadeira perceção da sociedade sobre as mulheres e a sua importância no mundo do trabalho e fora dele? 

Este foi o pontapé de saída para mais uma edição das Political Talks da Academia de Política Apartidária, parceira do Jornal Universitário do Porto, realizada no dia 4 de Março, e que teve como tema “Dois Sexos, Duas Medidas: Ser mulher em Portugal e no mundo”. 

Leonor Valente Monteiro, advogada e gestora especializada em igualdade de género e violência doméstica, bem como vice-Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres; e Marisa Matias, formada em sociologia, Eurodeputada pelo Bloco de Esquerda desde 2009 e candidata às Eleições Presidenciais de 2016 e 2021, discutiram as dinâmicas de reprodução social na raiz de muitos comportamentos, estereótipos de género, e qual o caminho a seguir se queremos uma sociedade mais justa, numa conversa moderada por Marina Teixeira.

A importância da lei

Leonor Valente Monteiro começou por referir o surgimento, em 1976, das alterações à Constituição da República Portuguesa que consagraram o direito à igualdade de género, e que, por via das modificações que impuseram, sobretudo, no Código Civil e no do Trabalho, contribuíram para a emancipação da mulher. Referiu, no entanto, que a desigualdade continua enraizada na mentalidade portuguesa, em especial no que ao contexto doméstico diz respeito.  

A advogada e gestora entende que esta mentalidade resulta de muitas das estruturas sociais que vamos apreendendo ao longo do processo de socialização a que somos sujeitos desde que nascemos, e que se refletem na nossa forma de estar e agir, influenciando as decisões que tomamos e as ideias que temos sobre como nos devemos comportar. 

Alertou, assim, para o perigo de, quase inconscientemente, irmos perdendo talentos e condenando pessoas a vidas menos felizes por força de estruturas das quais, muitas vezes, nem temos noção.Marisa Matias defendeu que seríamos pessoas mais felizes se a igualdade de género fosse um não tema. Reiterando a ideia de Leonor Monteiro, considera que a mentalidade e o comportamento da sociedade são culturalmente adquiridos, mas que “onde não há igualdade, há opressão, e onde há opressão há um exercício desigual de poder” pelo que “as pessoas não serão tão felizes”.

Destacou a importância do papel dos responsáveis políticos e ativistas na concretização efetiva de normas legislativas, lembrando que  “as mudanças sociais são sempre muito mais lentas que as mudanças legais”.

A Eurodeputada lembrou ainda que a  falta de garantias legais (no trabalho por exemplo) tende a acentuar a dinâmica de desigualdade entre homens e mulheres, para mais num contexto como o da pandemia.

Os sintomas são, para Marisa Matias, evidentes. A discrepância salarial média que ainda existe entre mulheres e homens com o mesmo trabalho e nível de educação, e o problema da sub-representação, sobretudo no mundo da política, são sinais de que a “luta pela felicidade” tem de continuar, “para tentar que tenhamos todos e todas as mesmas oportunidades e que possamos fazer escolhas que não sejam condicionadas”.

A mulher no trabalho e a questão salarial

Um dos principais pontos referidos na conversa foi a discriminação da mulher no que diz respeito à remuneração salarial, às suas causas, e a outras desvantagens que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho. Leonor Valente Monteiro apontou a subvalorização das capacidades das mulheres, a pressão que enfrentam para tomar determinadas escolhas, e as tradições e os estereótipos, que podem influenciar as mulheres a tomar escolhas inconscientemente como possíveis causas para o fenómeno; bem como as dificuldades na conciliação da vida profissional com a familiar.

Defendeu que a sociedade está estruturada para colocar as mulheres nesta posição díspar e que enquanto os homens não se equipararem às mulheres na esfera privada, continuarão a ser os mais ricos.

Marisa Matias assinalou que o problema está na aceitação social do caráter prejudicial do mercado de trabalho para as mulheres (por força da gravidez por exemplo), e frisou que a melhor forma de combater esta forma de discriminação consiste num reforço dos meios e competências de quem fiscaliza estes assuntos, considerando que “o problema não está na lei, está na implementação da lei”.

Em relação à persistência do estigma negativo associado à gravidez no mercado de trabalho, Leonor Valente Monteiro acha que é necessário não só que as entidades empregadoras tenham estes casos em maior atenção, como ainda que deve haver uma maior articulação no seio familiar para que homens e mulheres passem uma quantidade de tempo proporcional a tomar conta das crianças.

Relativamente às potencialidades que o teletrabalho apresenta no sentido de suprir as dificuldades que as mulheres grávidas enfrentam no trabalho, Marisa Matias assinalou que, nos moldes atuais, o trabalho à distância contribuiu ainda mais para distribuição desigual das das tarefas domésticas, sobretudo com o encerramento do ensino básico e pré-escolar, acentuando a sobrecarga,  a que as mulheres ficam sujeitas.

Fazendo a ligação com outras carências que a pandemia impôs para muitas famílias, a eurodeputada conclui que é ainda mais importante haver “uma política ativa de combate às desigualdades” 

O combate à violência doméstica

De acordo com o Relatório Anual de Monotorização da Violência Doméstica, 90% dos casos em que há queixa é atribuído o estatuto de vítima. Ainda assim, só 77% dos resultados de inquérito foram arquivados. Citando a Convenção de Istambul, Valente Monteiro reforçou que “toda a violência sobre a mulher é um mecanismo social que força as mulheres a assumir uma posição de subordinação em relação ao homem” e assinalou a importância do feminismo para as mulheres assumirem papéis que tirem aos homens a sensação de poder. 

Concluiu dizendo que “a violência, e tudo o resto, é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais que impede as mulheres de avançar plenamente”. 

Perante a questão do que está a falhar no combate à violência doméstica, Marisa Matias, frisou a frequência com que a vítima (seja homem ou mulher) se vê obrigada a sair de casa para se separar do agressor, chegando mesmo a perder contacto com os filhos, acabando por ser ainda mais prejudicada. 

A partir de uma questão levantada por Leonor Monteiro relativamente à falta de medidas de prevenção da violência doméstica, afirmou que:

“esta prevenção deve ser feita em todas as idades” e servir também para reforço do combate à violência e das “lógicas de reprodução social” que a sustentam, lembrando os problemas que a incerteza legal relativa à interrupção voluntária da gravidez criavam antes do referendo de há uns anos.

Leonor Valente Monteiro referiu ainda que, relativamente aos mecanismos de apoio à vítima, a vítima chega a ser forçada a partilhar os direitos parentais com o agressor, em contexto de Tribunal de Família, por uma questão de igualdade de género que Valente Monteiro considera perpetuar a violência sobre as mulheres. 

Paridade e igualdade

Ainda foi abordada a questão da Lei da paridade, com ambas as convidadas a lamentar a necessidade de aplicação da mesma, para garantir igualdade no acesso à vida política. Leonor Valente Monteiro assinalou que a Constituição Portuguesa valida a discriminação positiva, a restrição de direitos, liberdades e garantias em prol da supressão de desigualdades

Em relação à questão do desvirtuamento da valorização da competência e do mérito no mercado de trabalho, Marisa Matias assinalou que estará disposta a falar de meritocracia quando todos estiverem em igualdade, “partirem do mesmo ponto”. 

Quando é que existirá verdadeiramente igualdade de género? Leonor Valente Monteiro acha que será quando as mulheres perceberem os papéis que têm de desempenhar no dia a dia. Marisa Matias defendeu que só acontecerá quando se perceber que esta é uma luta de toda a sociedade, que deve ser encabeçada por mulheres, sem embater em visões deturpadas do feminismo e da igualdade. 

Fundada em 2012, a APA é uma associação juvenil que pretende aproximar os jovens da política, tendo como objetivo tentar compreender a realidade política, económica e social num contexto local, nacional e global, incutindo um espírito de consciencialização cívica através de debates e atividades de ação pedagógica.

Artigo por Filipe Pereira. Revisto por Marco Matos e José Milheiro.