Política
Guiné-Bissau: os novos desafios e a iminente crise política
A Guiné-Bissau enfrenta um período de instabilidade política e são vários os desafios que tem pela frente, principalmente depois do término de funções do Gabinete Integrado da ONU para a Consolidação da Paz e da ECOMIB.
Novos poderes, novos desafios
Desde a implementação da UNIOGBIS, em 1999, que o país é alvo de múltiplos conflitos, golpes de Estado, assassínios e tráfico de droga. A entidade visava assegurar a paz e possibilitar a realização de eleições, de acordo com a Constituição.
O fim de um ciclo esteve à vista com as eleições presidenciais de 2019. Porém, o candidato derrotado não aceitou o resultado que concedia a vitória ao Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
A Comissão Nacional de Eleições atribuiu, mais tarde, a vitória a Umaro Sissoco Embaló e demitiu o Governo.
Neste sentido, o trabalho realizado pela ONU foi questionado, uma vez que os problemas, essencialmente políticos, não foram resolvidos após 21 anos de missão.
Segundo um jornalista guineense, Bacar Camará, este é o momento para os guineenses trabalharem para o entendimento.
“A presença e a ausência do UNIOGBIS [na Guiné-Bissau] não têm grande significado, porque mesmo com a presença do UNIOGBIS no país, a Guiné-Bissau nunca conseguiu chegar a uma estabilidade efetiva. Foram atrocidades, assassinatos e golpes de Estado assinalados com a presença do UNIOGBIS.”
Democracia em risco?
No seguimento dos constantes ataques à liberdade de imprensa e as ações violentas contra jornalistas, ativistas e políticos, o presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Domingos Simões Pereira, afirmou que a democracia “está posta em causa”.
“Penso que não há dúvidas nenhumas que a democracia está posta em causa na Guiné-Bissau […] pelo não respeito às leis” e “quando as leis não são respeitadas pode-se falar de regimes que não serão democráticos.”
No mês de fevereiro, a Guiné-Bissau ficou marcada pelos rumores sobre um alegado golpe militar e substituições nas Forças Armadas, que viriam a realizar-se, dias mais tarde, pelo presidente do país.
Segundo o analista político, Luís Vaz Martins, “há mal-estar. As declarações e atuações de Umaro Sissoco Embaló não confortam a esmagadora maioria dos guineenses e os seus aliados, aqueles que o ajudaram a assumir o poder“. Também o líder do Partido da Unidade Nacional, Idriça Djaló, acredita que a crise política está iminente.
“É a fase mais quente da crise. É aquilo que eu estava à espera. Não podia haver outra possibilidade a não ser esta.”
Um relatório, realizado pelo Departamento de Estado norte-americano, revelou que na Guiné-Bissau aumentaram as ações “cruéis e degradantes” e que a justiça se encontra subordinada ao poder político. As conclusões tiveram por base os ataques realizados contra deputados, militantes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde e ativistas políticos, e detenções arbitrárias.
O relatório, que tem em consideração as notícias divulgadas nos diversos órgãos de comunicação social, relativas à atuação das forças de segurança, no último ano, revela ainda que desde que o Presidente guineense tomou posse as Nações Unidas e órgãos de vigilância da imprensa “relataram vários atos de intimidação contra órgãos de comunicação social, incluindo estatais”.
A Presidência da Guiné afirmou num comunicado, que não está envolvida nos ataques aos deputados e jornalistas. “Somos obrigados a informar a opinião pública que tais acusações devem fundar-se em provas indiciárias e consistentes, não em suposições ou rumores“, podia ler-se no comunicado.
Além disso, afirma que a “Guiné-Bissau é um Estado que garante e salvaguarda os direitos de liberdade e bem como os direitos económicos, sociais e culturais, com tribunais independentes e com a administração subordinada ao princípio da legalidade“.
Apesar destas afirmações, vários têm sido os ataques contra políticos, ativistas e jornalistas.
Jornalistas perseguidos tentam abrir Guiné ao mundo
Aly Silva foi sequestrado, espancado e abandonado num riacho em Bissau, em fevereiro. O jornalista e blogger guineense admitiu ao Observador que um grupo de desconhecidos o agrediu e o abandonou para que se afogasse.
O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde condenou este comportamento e os atos de violência das forças de segurança contra os cidadãos.
O jornalista, que procura denunciar as irregularidades a que assiste no seu país, acredita que a agressão foi ordem do poder.
“Não tarda nada vão começar a aparecer cadáveres pelas ruas de Bissau, vivemos num estado de terror, vivemos o pior momento da nossa história. As pessoas vagueiam, parece que vivemos num cemitério aberto”.
João Conduto, membro do Grupo de Reflexão e Análise sobre a Guiné, afirmou que o bloguer guineense “é uma das vozes que denuncia com coerência, coragem e de forma impoluta o que afecta a coisa pública, a corrupção que há na justiça, ao mesmo tempo que promove o país”.
Quatro dias depois, também o jornalista Adão Ramalho foi espancado pelas forças de segurança.
O bastonário da Ordem dos Jornalistas da Guiné-Bissau, António Nhaga, condenou as atitudes do Estado, que procura intimidar os profissionais de comunicação social. Nhaga ju
afirmou ainda que as entidades estatais e judiciais devem procurar condenar atos que coloquem em causa o Estado de Direito Democrático.
“O país concorre neste momento para liderar o ‘ranking’ de atentados contra a liberdade de imprensa e de expressão.”
Além disso, o deputado, Marciano Indi, disse ter sido vítima de uma alegada tentativa de rapto. Em maio do ano passado, o político já havia sido raptado e espancado.
Algumas entidades, como a Liga Guineense dos Direitos Humanos, procuram denunciar os atentados à liberdade de imprensa e aos direitos humanos.
O parlamento português mostrou-se preocupado com a violência na Guiné-Bissau e solicitou o envio de informação por parte da Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Apesar das críticas ao seu regime, o presidente da Guiné-Bissau expressou vontade em manter a ordem no país e em assegurar o respeito pelos direitos humanos.
Artigo da autoria de Inês Pereira. Revisto por Marco Matos e José Milheiro.