Política
Roundup África: as notícias do mês no continente africano
Barragem do Renascimento continua pendente e tensões entre Egito e Etiópia aumentam
O conflito de interesses relativo ao projeto da Grande Barragem do Renascimento da Etiópia (GERD), anunciado há 10 anos, continua a criar tensão entre Egito e Etiópia. O plano da Etiópia era ter, até 2022, a maior central hidroelétrica de África, garantindo o fornecimento de energia tanto dos etíopes como dos povos vizinhos. A barragem permitiria ainda a regulação das águas do Nilo Azul, bem como a prevenção de cheias, particularmente no Sudão.
Na origem das tensões está a questão do período de enchimento da barragem, durante o qual o caudal do rio seria reduzido, deixando países como o Egito ou o Sudão, dependentes do rio Nilo, expostos a cortes significativos na quantidade de água a que têm acesso. Ambos os países recusam o cenário hipotético em causa, pelo menos sem negociações ou garantias.
Para além da questão da rapidez com que seria enchida a barragem, é preciso também saber quanta água seria libertada num cenário de seca que se estenda durante vários anos. A ronda de negociações pela União Africana com vista à mediação do conflito falhou na resolução dos dois entraves ao avanço da construção da barragem. O Sudão quer que a Etiópia coordene e partilhe os dados de operação da GERD para evitar cheias e proteger as barragens já existentes no Nilo Azul.
O conflito iminente despertou o interesse dos E.U.A, pelo que Jeffrey Feltman, enviado americano à zona do Corno de África, realizou uma jornada com passagens por Eritreia, Etiópia e Egito, países que podem ser extremamente afetados por uma guerra pelo Nilo. O Presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, não aceita que ninguém “prejudique os seus interesses de água” e pediu a intervenção norte-americana. De acordo com a Associated Press, a questão foi classificada pela Administração Biden como um assunto sensível, que terá uma abordagem séria.
Sudão do Sul: Alegada corrupção na gestão da pandemia
O Sudão do Sul é um dos países mais pobres do mundo e, portanto, existiu sempre um receio em relação à forma como a COVID-19 afetaria o país. À data da publicação deste artigo, o país tem 10 677 casos com 115 mortes no país. No mês de abril assistiu-se a uma aceleração no número de infeções.
A Aljazeera e o The New Humanitarian (órgão de comunicação social da ONU) conduziram uma investigação da qual resultaram alegações da existência de um mercado negro para testes de COVID-19 no país: testes e certificados de teste negativo para a realização de viagens para fora do país deveriam ser gratuitos, mas acabavam vendidos por preços entre os 300 e os 1200 euros.
Outra questão levantada na investigação, liderada pela jornalista freelancer Sam Mednick, foi a monopolização dos desinfetantes para as mãos pela Sinco Medical, uma empresa sul sudanesa. O monopólio deriva de uma proibição pelo governo do Sudão do Sul da importação do produto sanitário, embora o diretor da Sinco Medical tenha afirmado que a medida é uma aposta do governo nas empresas nacionais.
O Subsecretário de Estado do Ministério da Saúde, Mayen Maschut Achiek, afirmou que os “amigos” (possivelmente a referir-se à ONU e às organizações internacionais) chegam ao Sudão do Sul a pensar que “sabem tudo”.
O Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA) emitiu um relatório sobre a situação no Sudão do Sul em que denuncia a inacessibilidade de alguns locais, nomeadamente por constrangimentos físicos como cheias, pontes quebradas ou por serem acessíveis apenas por estradas isoladas que atravessam a floresta.
A OCHA apontou “impedimentos burocráticos” à atividade humanitária bem como ameaças a parceiros localizados em áreas mais remotas. Achiek classificou como “inaceitável” qualquer ameaça alegadamente feita a trabalhadores de organizações humanitárias mas frisou que não gosta de ser “manipulado” pelas entidades de apoio internacional.
A última alegação relativa ao escândalo por corrupção na gestão pandémica diz respeito a uma quantia acima dos 4 milhões de euros destinada à renovação de um hospital de doenças infeciosas. Sam Mednick visitou o hospital em questão e foi-lhe apontado por um membro do pessoal médico que faltavam condições a um hospital daquela índole, como sanitas e estruturas próprias para pacientes em quarentena. O hospital não era usado para curar pessoas, mas para armazenamento de materiais e para escritórios.
Chade: Morte do Presidente e ascensão de Conselho Militar causam confrontos entre oposição e polícia
No dia 20 de abril, o Presidente do Chade, Idriss Déby, perdeu a vida depois de ter sido ferido em confrontos com rebeldes no norte do país. O anúncio foi dado pelo exército um dia depois dos resultados provisórios das eleições entregarem a Déby um 6º mandato. O Parlamento foi dissolvido e foi declarado o recolher obrigatório no país.
Idriss Déby chegou ao poder em 1990 e foi um grande aliado das potências ocidentais como a França, no combate às forças jihadistas no Sahel, Norte de África. Foi criado um Conselho Militar, liderado por Mahamat Idriss Déby, filho do antigo General e Presidente, com vista à garantia de eleições livres e democráticas.
Todavia, em conversa com a BBC, alguns especialistas notaram que a formação do Conselho Militar é inconstitucional, uma vez que quem deve substituir o Presidente em funções, aquando da sua morte, é o speaker do Parlamento.
A população do Chade manifesta-se há anos em relação à gestão dos recursos petrolíferos levada a cabo pelo governo. Uma semana depois da morte de Idriss Déby, a oposição ao regime, e particularmente ao Conselho Militar, convocou uma manifestação em N’Djamena, capital do Chade, que coincidiu com a nomeação de Albert Pahimi Padacké como primeiro-ministro. Confrontos entre os manifestantes e a polícia causaram pelo menos 5 mortes, de acordo com dados do dia 27 de abril.
Governo do Malawi obriga imigrantes a integrar campos de concentração sobrelotados
No dia 6 de maio, a Aljazeera avançou que o Governo do Malawi ordenou a milhares de imigrantes já instalados no país a regressar aos campos de concentração sobrelotados de Dza-leka, a 40 km a norte da capital do país, Lilongwe.
A justificação do governo do Malawi para esta conduta assentou no “potencial perigo” representado pela integração destes migrantes entre cidadãos nacionais.
Richard Chimwendo, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Malawi, afirmou que esta medida não consiste numa perseguição, mas apenas em enviar estes migrantes “para onde devem estar”.
A delegação da Alta Comissão das Nações Unidas para os Refugiados no Malawi destacou que a norma respeita as leis do país, mas pediu ao governo que reconsiderasse a medida. Para os refugiados persiste a incerteza: os que estão casados com nacionais vão ter de pedir a cidadania do Malawi, e ainda desconhecem o futuro dos seus filhos. Aqueles que abriram negócios terão de os gerir a partir do campo de concentração.
Artigo da autoria de Filipe Pereira. Revisto por José Milheiro e Marco Matos.