Política

MAÇONARIA: SABER OU PODER?

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Este é o primeiro de dois artigos que o JUP dedica esta quinzena à maçonaria portuguesa e às questões da liberdade.

MAS O QUE É AFINAL A MAÇONARIA?

A maçonaria é um daqueles conceitos fáceis de não entender. Foi em tempos designada como uma “sociedade secreta”, mas o termo caiu em desuso em detrimento de “sociedade discreta”. É uma organização universal, constituída por várias lojas “iguais em direitos e honras e independentes entre si”, segundo a designação institucional.

Os maçons regem-se teoricamente pelos princípios da Revolução Francesa e pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade, fraternidade e democracia. A maçonaria assume-se contra todos os fundamentalismos, a favor de um estado laico e do revigoramento moral da sociedade. Defende o combate à corrupção e afirma-se na defesa pública dos valores e direitos universais do Homem.

 

COMO SURGIU?

Apesar da maçonaria atual se apoiar nos princípios iluministas do século XVIII, há quem defenda que as origens maçónicas remetem para os primórdios da história da humanidade. Há teses que colocam na Mesopotâmia (atual região do Iraque) ou no Egipto o local de nascimento das atividades dos maçons. A multiplicidade de opiniões e a falta de registos envolvem a maçonaria num “nevoeiro” temporal, associado ao secretismo da organização.

A tese maioritária afirma que a maçonaria surgiu na Idade Média, fruto das corporações formadas por antigos construtores e trabalhadores de igrejas e catedrais. Muitos historiadores associam, deste modo, o seu nascimento aos círculos religiosos dos séculos V ao XV, onde se inseriam os donos do poder político e sociocultural. Data deste período a designada “maçonaria operativa”.

A maçonaria como a conhecemos hoje nasceu da rutura com a Igreja Romana e com a expansão das ideias matrizes do Iluminismo. A procura da razão e do aperfeiçoamento humano e da sociedade, que adquiriram relevância na Europa a partir do século XVIII, ditaram a criação da maçonaria moderna.

A primeira marca maçónica contemporânea surgiu em Londres, no início do século XVIII, com a constituição de quatro lojas, isto é, células autónomas onde os maçons se estruturam e reúnem – um grupo maçónico pode ter várias lojas. Da capital, a maçonaria espalhou-se por toda a Inglaterra e daí para a Europa. A Portugal terá chegado entre 1735 e 1743.

O historiador Oliveira Marques aponta o ano de 1727 como o ano da fundação de uma loja que foi registada nos arquivos da Inquisição como a “Loja dos Hereges Mercantes”, criada por comerciantes britânicos que viviam em Lisboa.

 

GRUPOS MAÇÓNICOS EM PORTUGAL

O Grande Oriente Lusitano (GOL), fundado em 1802, é a maior e mais antiga obediência maçónica do país. Concentra lojas com importante poder e influência dentro dos círculos políticos, nomeadamente do Partido Socialista. O Grande Oriente representa a maçonaria liberal em Portugal.

Uma fonte da revista Sábado refere-se ao GOL como um conjunto de “lojas onde já esteve grande poder maçom” e onde estava, durante o governo de José Sócrates, “o PS em peso”. Serve de exemplo a loja Convergência, à qual já pertenceu Nunes de Almeida, antigo presidente do Tribunal Constitucional e os socialistas António Vitorino, Vitalino Canas e Rui Pereira, que sempre teve grande peso dentro do GOL.

A Grande Loja Legal de Portugal (GLLP), criada em 1996, é a representante da maçonaria tradicional no país. Segundo documentos recolhidos pela Sábado, todos os elementos do PSD estavam, em 2011, nesta loja, à exceção do presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras. Em 2012, o Diário de Notícias confirmou a presença ou relação próxima dos mais altos cargos das distritais de Porto e Lisboa à GLLP.

A Grande Loja Simbólica de Portugal, do Rito Antigo e Primitivo de Memphis Misraim, foi consagrada em 21 de Maio de 2011, inspirada na civilização grega pré-cristã e no Antigo Egipto. Esta obediência é reconhecida pelas principais potências maçónicas mundiais, pelo seu Rigor, Legitimidade e Credibilidade.

Nas forças maçónicas no país, destaca-se ainda a obediência feminina portuguesa – a Grande Loja Feminina de Portugal – e uma ordem maçónica internacional mista – o Direito Humano “Le Droit Humain”.

 

ASSUMIR PERTENÇA À MAÇONARIA: DIREITO OU DEVER?

Um maçom deve assumir-se ou não como tal? Esta é uma das questões mais discutidas sobre a maçonaria e as posições são diversas.

António Reis, antigo grão-mestre do GOL, defendeu, em entrevista ao Jornal i, que os maçons se devem assumir: “Não deve haver vergonha em se declararem. Mas não podem é ser obrigados a isso”. Acrescentou que “é inconstitucional. Está claramente no artigo 41 da Constituição. Ninguém é obrigado a revelar as suas crenças ou a sua pertença a qualquer tipo de sociedade deste tipo”.

António José Vilela, escritor do livro “Segredos da Maçonaria Portuguesa”, defende que os maçons não devem ser obrigados a assumir-se, mas que devem ter consciência da sua posição na sociedade e do seu papel profissional.

Esta é uma questão que não reúne consenso, pelo que há quem defenda a obrigatoriedade de os maçons se identificarem como tal.

Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD e deputada na Assembleia da República, defende a necessidade de os políticos declararem as suas ligações a organizações como a maçonaria. A deputada social-democrata tem defendido que os maçons que exercem cargos públicos devem ser obrigados a assumir-se. “É preciso criar condições para que os titulares de cargos políticos não estejam reféns de ligações ocultas”, disse Leal Coelho ao jornal Expresso em abril do ano passado.

Há ainda quem defenda uma posição intermédia, ditada pelo cargo público que desempenha. Entrevistado pelo JUP, o Grão-mestre da Grande Loja Simbólica de Portugal – Ordem Internacional do Rito Antigo e Primitivo Memphis Misraim – afirma que um maçom se deve assumir “dependo do cargo político que desempenha”. Pedro Rangel considera que em muitos casos a pertença ou não à maçonaria não é um fator que influencie a atividade profissional do indivíduo.

No entanto, a questão da ligação da maçonaria à política torna a questão sensível. A descoberta de maçons dentro do governo já levou à desconfiança de eleitores e de membros dos partidos. Um exemplo recente foi a tentativa de eleição falhada do maçom Fernando Nobre para Presidente da Assembleia da República, em 2011. Neiva da Cruz, diretor indigitado do Serviço de Informações de Segurança (SIS), protagonizou também uma situação delicada, em que se recusou a esclarecer se é da maçonaria e salientou ser defensor de um serviço único de informações.

 

Coloca-se a questão: a desconfiança é gerada por serem maçons ou por não o admitem por vontade própria? Prevalece o “preconceito” da sociedade portuguesa, que acusa os maçons, ou a desconfiança perante os seus interesses?

 

MAÇONARIA: INSTITUIÇÃO DE SABER OU DE PODER?

O grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), Fernando Lima, defendeu, durante uma conferência em Vila Nova de Famalicão, que a “maçonaria não é um partido, um clube ou uma associação cultural, mas sim uma associação filantrópica e filosófica”. “Há uma recusa em entender, dizer ou aceitar que muitos dos melhores em Portugal foram ou são maçons e que as maçãs podres são a exceção”, afirmou Fernando Lima.

Apesar de alguns maçons estarem envolvidos em histórias menos edificantes, António José Vilela, jornalista da Sábado, afirma que a maçonaria “não condena os erros externos a ela”. “A Maçonaria pune maçons quando eles revelam segredos da organização. Quando eles não pagam as cotas. Quando eles assumem um comportamento qualquer atentatório de outro maçom ou da instituição”.

Citou os casos de Isaltino Morais e Miguel Relvas, maçons que tiveram influência no panorama político português. Isaltino Morais foi presidente da Câmara Municipal de Oeiras e foi que foi acusado por determinados crimes, mas “nunca foi expulso”, tendo até “progredido dentro da Maçonaria”.

Já Miguel Relvas foi Secretário de Estado da Administração Local e Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, período durante o qual esteve envolvido na polémica por causa da licenciatura. No entanto, “nunca foi expulso da Maçonaria nem teve nenhum processo”, referiu o jornalista e investigador na área.

Já o maçom Fernando Lima sublinha que a maçonaria é “a mais antiga instituição democrática do mundo”, apesar de ser olhada “como algo pateticamente obsoleto e promotor de conspiração ou interesses inconfessáveis”.

São conhecidas as polémicas relativas à relação entre política e maçonaria, no entanto, o grão-mestre do GOL garante que “é proibido fazer política dentro da maçonaria” e que ele próprio não tem qualquer filiação partidária.

Os grupos maçónicos concentram indivíduos de todas as áreas de atividade, de cidadãos anónimos a figuras conhecidas da política e grandes empresas. Fernando Lima afirma que “as principais leis” do país foram criados por maçons, “mas estes, como são muito humildes, não andam com bandeiras a apregoar o que fizeram”. O maçom dá como exemplo Serviço o Nacional de Saúde (SNS), criado por António Arnaut, grão-mestre do GOL, de 2001 a 2005.

Fernando Lima sai em defesa de uma influência que António José Vilela não acredita na totalidade. “Dizem que SNS foi discutido primeiro numa loja maçónica, mas não sei até que ponto isso é verdade”. E a falta de provas não permite sabê-lo com certezas. “Os maçons pretendem exercer uma influência na sociedade portuguesa”, afirma o jornalista, acreditando que a maçonaria é um meio para chegar à elite política e a este campo de influência.

Vilela afirma que existe um conjunto de documentos internos à maçonaria, aos quais teve acesso, em que maçons, com responsabilidades dentro da instituição, admitem que estão “a ser invadidos por um conjunto de pessoas que querem entrar na maçonaria como trampolim social ou profissional”. O jornalista acrescenta que os próprios maçons têm consciência de que “eles [os maçons] estão dentro e foram para a maçonaria, porque acham que esta lhes pode dar saídas profissionais, melhores empregos, relações privilegiadas com determinados poderes sociais, económicos, políticos”.

No entanto, esclarece que esta é uma relação bidirecional, uma vez que “a própria Maçonaria procura pessoas que desempenhem funções sociais importantes”. Na opinião do jornalista, a Maçonaria tem muito a ganhar em “recrutar” políticos promissores, quadros de empresas, professores universitários, jornalistas, espiões, polícias, altos quadros do Estado, pois dessa forma conseguirá ter “uma intervenção social muito mais forte”.

João Santos Fernandes, Coronel do Exército de Portugal aposentado, afirmou que as organizações maçónicas podem-se tornar em “agências de emprego”. Sobre o assunto, António José Vilela afirma que há maçons que se servem da sua posição para conseguir determinados empregos. Faz ainda referência a uma situação publicada na revista Sábado, na qual um maçom se dirigiu diretamente ao agora atual líder do PSD Madeira, Miguel Albuquerque, quando ele era presidente da Câmara Municipal do Funchal, e lhe pediu “determinados favores”. Para o jornalista e investigador da área é “muito difícil provar” se esta rede de influências se concretiza.

“Há muitas situações em que advogados convidam outros, que jornalistas convidam outros jornalistas, em que por exemplo estão políticos de diferentes áreas, nomeadamente, do PS e do PSD, nas mesmas lojas maçónicas”, esclareceu o jornalista. No entanto, para a Maçonaria as profissões dos seus membros não são importantes, contrariando assim a ideia de António José Vilela que admite que a Maçonaria pretende exercer uma influência na sociedade.

O jornalista da Sábado coloca uma situação hipotética: uma loja maçónica com um juiz, um advogado e um polícia, que tiveram uma intervenção direta num determinado caso; e levanta a seguinte questão: “não é legítima a suspeita que se possa retirar daí?”. Vilela explica que estas relações “tornam-se muito complicadas” e atribui ao “segredo” as responsabilidades. “Se houvesse uma exposição de isto tudo, dificilmente nós tiraríamos determinado tipo de ilações. Às vezes até estapafúrdias”, rematou.

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