Política

“A ESQUERDA CONTARÁ SEMPRE COM A MINHA LUTA”

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Luís, como te iniciaste na política?
Tudo começou no meu nono ano, quando na disciplina de história contemporânea me comecei a interessar pela política. Acabei por me juntar ao Bloco de Esquerda, quando tinha 15 anos. Paralelamente, comecei a interessar-me pelo movimento estudantil. Quando me mudei para a escola Soares dos Reis no ano seguinte, juntei uma série de colegas e camaradas para tentar reabrir as eleições para a Associação de Estudantes, que estava parada há seis anos. Foi um processo que demorou bastante tempo, mas no segundo período acabei por ser eleito presidente. Posto isto, o meu ativismo no Bloco foi sempre compilando com o que eu ia fazendo na Soares dos Reis. O Bloco era, para mim, um espaço onde encontrava um apoio ideológico e político que depois transpunha para a Associação de Estudantes, onde fui presidente durante três anos. Da mesma forma, também trazia para o Bloco muitas ideias da Soares. O meu ativismo sempre foi executado nesse paralelismo, nessa troca de ideias constante. Entretanto o meu percurso no partido foi evoluindo e comecei a ter cargos de maior responsabilidade, principalmente na área da educação. Isso despertou o meu interesse na área e acabei por integrar o processo de criação da lista R logo no meu primeiro ano de faculdade. Concorremos à Associação de Estudantes e estou cá há quatro anos. O Bloco foi-me acompanhando assim ao longo do meu trajeto nas associações de estudante e noutros espaços de ativismo.

Sentes que a passagem pelas associações de estudantes te deram, então, as bases para seres o político que és hoje?
Sim, sem dúvida, é algo totalmente transversal. São dois espaços que estão sempre em ligação na minha vida e que se complementam.

Quais são as tuas referências na política?
Tenho alguns autores clássicos que vou seguindo e foi com eles que iniciei a minha veia política e ideológica. Li bastante sobre o marxismo, Lenine em algumas ocasiões, e creio que são instrumentos muito importantes para termos uma análise muito concreta do que vivemos hoje. Mais contemporaneamente, tenho vindo a seguir Ranciére e parte do que tem vindo a produzir o Varoufakis, concordando com parte e discordando com outra.

Por quê o Bloco de Esquerda? Que motivos te fizeram optar por esse partido em específico e rejeitar os outros?
Quando me comecei a interessar pela política, estávamos numa época de fortes lutas entre estudantes e professores. Levantavam-se questões como a avaliação dos docentes, as aulas de substituição, os primeiros cortes no orçamento de Estado no que toca à educação e ensino. E a posição do Bloco nessas questões chamou-me bastante à atenção. No entanto a minha aproximação acabou por consumar-se devido a parecenças ideológicas. Eu sempre me senti uma pessoa de esquerda, mas não me identificava com o Partido Socialista, que se tinha demitido das lutas mais populares, diluído do que são hoje as políticas neoliberais. Por outro lado, não tinha uma visão tão ortodoxa como apresentava o Partido Comunista Português. Uma visão ainda muito colada à experiência soviética e da qual eu sou altamente crítico. Acho que ditaduras, sejam elas de esquerda ou direita, são más. Posto isto, o Bloco surgiu como um espaço de liberdade. Era uma esquerda diferente, nova, anticapitalista. Mas ao mesmo tempo uma esquerda cheia de democracia e liberdade. Uma força nova para a esperança. Assim que a minha aproximação deu-se pela possibilidade de fazer parte de um partido que lutava pelas causas da esquerda mais tradicionais, que trazia novos temas e novos movimentos socias que faziam todo o sentido para mim. E que ainda hoje fazem.

Como foi receber a notícia de que tinhas sido eleito? Estavas à espera?
Não é que eu estivesse à espera, mas todas as sondagens apontavam para que houvesse alguma possibilidade. Aliás, todas estavam no limiar entre eu ser eleito ou não. Pelo historial do Bloco, que normalmente tem sempre um bocadinho menos nas eleições do que nas sondagens, não sabia bem o que esperar. Estava na sede distrital do Porto quando soube que fui eleito e receber a notícia juntamente com todos os camaradas que lá estavam foi uma grande alegria. Ainda assim o mais gratificante foi receber todas as felicitações de amigos mais próximos, familiares e até de algumas pessoas com quem já não falava há muito tempo. Em especial de amigos que tinham estudado comigo na Soares dos Reis e que depois da faculdade tiveram de emigrar por não conseguir emprego cá. Diziam-me: “Votei no Bloco, quero que estejas lá, acredito em ti”. Foi muito positivo para mim.

Como achas que será a tua vida daqui em diante? Vais tentar conciliar os estudos com a política?
Estou no segundo ano do mestrado e ainda que não tenha nenhuma obrigatoriedade em comparecer na faculdade, estou a escrever a minha dissertação… Bem, na verdade ainda não estou, mas devia (risos)… E quero termina-la. Como tenho uma relação profissional e académica muito boa com a minha orientadora, tenho uma certa flexibilidade que me permite conciliar a vida política com os estudos. É claro que agora tudo isto me obriga a uma maior disciplina em termos de horários e métodos de trabalho. Mas não vou desistir dos estudos.

Pensas continuar presente no movimento estudantil da FLUP?
Bem, o meu mandato de vice-presidente está a terminar e irei cumpri-lo até ao fim. O projeto da lista R não é algo só meu, mas sim de um grupo que certamente continuará a dar que falar e que poderá contar sempre com o meu apoio. A minha ligação a esta associação é assim muito simbólica, no entanto é também uma ligação política que não quero perder. Quero continuar atento aos projetos da Faculdade de Letras e da associação de estudantes e poder apoia-los com uma voz no parlamento.

És o deputado mais jovem no Parlamento. Achas que será fácil teres voz e seres respeitado de igual forma? Ou pensas que terás maior dificuldade em te fazer ouvir?
Acho que os próximos dias falarão por si. O respeito ganha-se mas também é necessário que a Assembleia tenha a capacidade, num espírito democrático, de aceitar todas as posições e faixas etárias. Darei o meu melhor e tentarei sempre ser uma pedrinha na engrenagem da direita.

O que esperas alcançar no Parlamento? Quais são as principais questões em que pretendes focar-te?
As pastas ainda não estão divididas e os grupos parlamentares ainda não estão formados. Mas acho que estarei relacionado à área da educação e do ensino superior. Vou dar especial atenção aos temas que afetam a minha faixa etária, como a emigração e o desemprego jovem. Obviamente que terei algumas prioridades que me parecem essenciais. Em primeiro lugar, vou lutar por um investimento maior no ensino superior: não me parece normal o ensino, nomeadamente na área da investigação, sofrer cada vez mais cortes. Só no último orçamento de Estado relativamente a 2014 cortara-se 90 mil milhões de euros, o que é abismal. E isso sente-se aqui na Faculdade de Letras. Há professores que se reformam e depois não há nova contratação, aulas com imensa gente, falta de condições e de funcionários… É notória essa falta de verbas.
Por outro lado, pretendo lutar por um maior apoio à ação social. Nós sabemos que as bolsas têm sido diminuídas e que a dificuldade em entrar na faculdade é cada vez maior devido à política de propinas, e isso não pode continuar.
O ensino secundário é também uma das minhas preocupações, no sentido em que é necessário tornar a colocar a escola pública numa posição prestigiada. O próprio ensino artístico, por exemplo, tem sido bastante atacado. É necessário reverter essas políticas e ter a capacidade e a coragem de voltar a investir na escola pública.
Investir também na criação de emprego, visto que não para de crescer. É preciso combater a realidade dos dias de hoje, os estágios profissionais não remunerados, os falsos recibos verdes. É muito importante que as primeiras medidas que sejam apresentadas sejam o combate à precariedade e a esta emigração forçada que levou meio milhão de pessoas a deixar o país nos últimos quatro anos.

O BE atrai muitos eleitores jovens. Pensas que é por se focarem, precisamente, nas questões que mais afetam as gerações mais novas?

Sim, claro. Se bem que nas últimas eleições o bloco tenha conseguido, pela primeira vez, chegar a muita gente da terceira idade. Nós tentamos responder a todos os eleitores, mas claro que temos um enfoque mais direcionado aos jovens, àqueles que tentam um futuro em Portugal e não o encontram.

E de que forma é que o Bloco pretende resolver essas questões? Terá força suficiente para ter voz no Parlamento ou uma coligação de esquerda seria a solução?
Os resultados falam por si e é óbvio que o Bloco não tem a maioria suficiente para colocar em cima da mesa algumas dessas questões, que foram notoriamente esquecidas ou abandonadas. Hoje temos um parlamento onde existe, não diria uma maioria de esquerda, mas sim uma maioria contra as medidas que foram implementadas nos últimos anos. E portanto há uma força que não quer a continuação deste programa de austeridade. Ainda que tendo em conta todas as diferenças que existem, é importantíssimo que haja um acordo mínimo à esquerda e que se consigam objetivos como não baixar a TSU aos patrões, acabar com a precariedade do Estado e não cortar nas pensões. São essas as linhas condutoras que servirão de início a uma conversa com a CDU e o PS. Agora está tudo num impasse mas espero que o Partido Socialista não falhe a esta chamada. Não quer dizer que com isto o Bloco desista do seu programa, fomos eleitos para o cumprir e assim o faremos. Mas claro que com uma maioria no Parlamento podemos lutar por ele e cumpri-lo da melhor forma.

A PAF tem vindo a aceitar algumas das propostas do PS. Achas que é uma tentativa de contrariar essa força de esquerda que tenta emergir?
A
PAF está assustada com a situação. Vemos todos os dias os altos dirigentes do PSD e do CDS preocupados com a possibilidade de haver uma força que governe mais à esquerda em Portugal. E por isso estão a tentar tudo por tudo para conseguir um acordo com o PS. No entanto, cabe ao Partido Socialista a palavra final. Da nossa parte há uma abertura para um acordo parlamentar em algumas matérias fundamentais, digamos que um programa mínimo para o país. Resta ao Partido Socialista ter a coragem de assumir o que vale no Parlamento e é certo que o futuro do que pode vir a ser Portugal nos próximos quatro anos está agora nas mãos de António Costa, mais do que nas nossas. Optaremos sempre por uma frente de esquerda para o país e tentaremos reverter as políticas de austeridade.

O que pretendes alcançar futuramente a nível político? Gostavas de vir a ser a cara do Bloco?
Penso que as discussões das primárias e de quem virá a ser a cara do partido é algo mais típico dos outros partidos. O Bloco é um projeto coletivo e eu não tenho nenhuma ambição particular em ser o número 1 do partido. Tenho agora a responsabilidade de responder aos problemas do país na Assembleia da República e esse é o meu tempo. Seja dentro ou fora do Parlamento, seja em cargos de direção ou como militante de base, a esquerda contará sempre com a minha luta. Numa esquerda que se quer de rua, de ação e mobilização social, estarei sempre presente e lutarei sempre pelas minhas ideias.

Sentiste essa “esquerda de rua” nesta última campanha? Houve algum momento que te tenha marcado?
Sim, senti. Descer a rua de Santa Catarina no dia 2 foi um bom exemplo dessa mobilização social. Veio muita gente abordar-nos e por isso foi também o momento mais marcante para mim. Não por ser uma mera ação de campanha, não por procurarem uma caneta ou um lápis (nem nós temos esse tipo de marketing), mas sim para nos dizerem que acreditavam mesmo no nosso projeto. Tantos pensionistas, tantos jovens, tantas mães que viram os seus filhos partir para o estrangeiro. Vinham ter comigo, com a Catarina Martins, com a Mariana Mortágua, e diziam que finalmente havia alguém que os representasse e que fosse “dos deles”. Houve uma proximidade muito grande com os eleitores e com o povo. Foi marcante perceber que a campanha teve esse efeito muito popular.

Como é que o Bloco, na tua opinião, consegue esse efeito de proximidade e mobilização?
É muito simples, tivemos propostas muito claras para nos afastarmos das políticas de austeridade e para construirmos um plano diferente. Um plano que não era dúbio como o do Partido Socialista, por exemplo, em que um dia falava mal do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista e no outro falava mal da direita sem nunca porem uma proposta clara em cima da mesa. Nós propusemos a renegociação da dívida, rasgar o tratado orçamental, políticas de emprego para os jovens, apostar num Estado Social… E assim, mais do que qualquer malabarismo e aritmética de números muitas vezes utilizados pelos partidos do poder, a política ganhou nestas eleições. As pessoas conseguiram rever-se no programa que apresentamos e isso explica o nosso crescimento e esta aproximação.

Como te imaginas daqui a 10 anos?
Não sei… Eu tenho um curso para acabar e tenho uma paixão muito grande por museus. Como tal, não quero abandonar esta área. Tentarei sempre concilia-la com a responsabilidade que hoje tenho como deputado mas não deixarei de aprofundar e explorar os caminhos dos museus, da cultura e do património. Acho que daqui a 10 anos me vejo, obviamente, no ativismo político, mas também numa exploração diária nessa área que tanto me apaixona.

E como imaginas o Bloco?
Não consigo responder, é muito difícil… Vamos imaginar, por exemplo, o que mudou desde 2008 para cá. Foi tanta coisa… No entanto tenho a esperança de que daqui a 10 anos o Bloco consiga ter a capacidade de dizer “revertemos as políticas de austeridade”. Esse seria o futuro ideal.

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