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“EU TAMBÉM SOU EUROPEU! E EU. E EU. E EU.“

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A actual crise dos refugiados que fogem da guerra na Síria e de outros países do Médio Oriente tem causado polémica e divergência de opiniões. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, relembram-se os cerca de 4 milhões de sírios obrigados a sair do seu país de origem. A população síria que está atualmente deslocada ultrapassa já os 50%. Importa dizer que essa não é, de todo, a percentagem de sírios que veio para a Europa. Os dados da Amnistia Internacional e da Agência da ONU para os refugiadosmostram também que, desde 2011 – quando começou a Guerra Civil na Síria – até agora, países como a Turquia, o Líbano, a Jordânia, o Iraque e o Egito já acolheram 95% dos refugiados. Não esquecer que países árabes-islâmicos ricos como o Qatar, o Kuwait, os Emiratos Árabes Unidos e a Arábia Saudita (países com maior PIB per capita – a cima de algumas nações europeias – segundo as estatísticas do Banco Mundial) não recebem refugiados dos paísesem guerra. Que são muitos: Afeganistão, Somália, Líbano, Mali, Iraque. Ainda que haja proximidade a nível cultural, linguístico e geográfico, os governos dos países ricos têm criado inúmeros obstáculos à concessão de vistos de entrada e ao reconhecimento do estatuto de refugiados.Restam duas hipóteses: ficar e morrer, ou fugir com a esperança de sobreviver. Muitos arriscam a ir para o mar, os “que têm dinheiro suficiente para pagarem a um traficante que os meta num barco”, diz Jaime Soares, membro da plateia, convertido ao Islamismo. Português. Europeu.

“Os filhos devem a mesma obediência às mães sejam elas adoptivas ou de sangue”

LaszlóCebrian, húngaro de nascença, e refugiado em 1951, diz que a migração do médio oriente “não pode ser equiparadaaos conflitos originados pela 2ª Guerra Mundial” ou mesmo à “crise dos retornados” do pós 25 de Abril. Uma das razões é por, desta vez, não haver uma partilha de cultura entre quem foge e quem recebe. “No meu tempo, fomos acolhidos por Portugal, mas acolhemos as regras portuguesas, o que não acontece hoje”, conta Laszló, acrescentando que “eles nos querem impor as suas regras.” Ao entrarem na Europa, os refugiados têm direito a abrigo, maior facilidades em arranjar trabalho, cuidados de saúde, renda da casa paga durante um determinado tempo, segurança social e escolaridade gratuita (como está previsto na convenção de 1951 relativa ao estatuto do refugiado). O húngaro entende que essas regalias que os refugiados não encontram nos países de origem é o que os motiva a vir e, por isso, diz tratar-se de uma “invasão”que deve ser “travada o quanto antes, em nome da identidade, segurança e nacionalidade da Europa”. Apela assim a um “plano europeu de sensibilidade e bom senso”, capaz de pôr fim à migração em massa. Os que já cá estão “terão de ser forçados a perceber a nossa lei, e entender que se trata de protecção e não de opressão”. Acrescenta que “os filhos devem a mesma obediência às mães sejam elas adoptivas ou de sangue.” Em relação à pátria, segundo Laszló Cebriano princípio é o mesmo. E os outros que estão para chegar? De preferência, “evitar que cheguem”, fechar fronteiras em nome da proteção. “Eu sou europeu e sei o que é ser um refugiado mais do que toda a gente.”


“O que dá o estatuto de refugiado é ter que fugir para salvar a vida, e não a procura de uma casa europeia.”

Mas “eu também sou europeia” e “não é numa Europa assim que eu acredito”, diz a Irmã Irene Guia, da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) (http://www.refugiados.pt/). A Plataforma de Apoio aos Refugiados está na linha da frente no que diz respeito à ajuda humanitária. Financia projetos de ONG que apresentem trabalhos de seriedade nos países de origem dos conflitos.

Não acha que “um pedacinho de céu” seja o que motiva a vinda dos refugiados. “O que dá o estatuto de refugiado é ter que fugir para salvar a vida, e não a procura de uma casa europeia.” Irene lida com crianças todos os dias e não hesita em dizer que fugiria com todas elas se lhes estivessem sempre a cair bombas em cima, “e não só uma, como em Paris”. Esteve em campos de refugiados no Congo e no Ruanda, por isso também ela conhece por dentro a realidade. Realidade essa que percebe de forma diferente à de Laszló. Acha que fechar fronteiras está longe de ser a solução. “Se for para fechar Portugal, digam ao governo que não recebam os milhões de turistas que vêm para cá todos os anos, nos meses de verão”, ironiza. Irene guia o deseja do diálogo multicultural. E para os céticos, salienta o impacto mínimo de 0,07% que os 160 mil refugiados teriam nos 580 milhões de habitantes europeus. Recorda que dos 160 mil que a União Europeia ficou de acolher a 14 de Setembro, apenas 169 foram recolocados. “E Não ponham o «mil» à frente. Não há mil. São só 169.” Por isso, tem mais medo das “falsas ajudas da Alemanha” e da “falta de humanidade da tal Europa íntegra e com valores” do que poderia ter dos refugiados. A mensagem é contrária à propagação de medo e de ódios “causados pela comunicação social”, quando divulga incansavelmente dados não confirmados, e não os divulga quando são desmentidos pelas instituições internacionais.Irene é da opinião que não se deve cair no erro de comparar deuses e religiões, e muito menos de falar em “Europa cristã”. “As origens cristãs estão com Cristo, que se deu com samaritanos e judeus e que procurou asilo num país que não era o seu.” Diz não saber muito sobre o Islão, mas sabe que o Deus é o mesmo. Abdul RhemanMangà, português, moçambicano e, como todos na sala, europeu, diz que“não nos podemos queixar de invasão, quando nós é que os invadimos.” Clama que “nós é que quisemos ir lá forçar democracias” e que“quem destruiu o Iraque, a Líbia, e agora está a fazer o mesmo à Síria, é que é o invasor!” À semelhança da Irmã Irene, cristã, a mensagem de Abdul, muçulmano, é esta: “Não tenham medo das religiões, tenham medo dos homens.”

“Jovens perdidos mas europeus. Pedaços do nosso tecido.”

Laura Vasconcelos, da Associação da Defesa dos Direitos Humanos, também sabe o que é um campo de concentração. Conta histórias de pessoas que fugiram de guerras civis para os campos, e já lá vivem há 20 anos, e de outras que se instalaram em bairros de lata no Quénia, em Nairóbi e Mombaça, onde a segurançanão existe. Relembra que ainda há bem pouco tempo, 180 jovens foram assassinados brutalmente numa escola do Quénia. Porquê? “Para que o país fique ferido onde lhes dói mais, na educação. No futuro.” Um bairro de lata chega a ter 1 milhão de habitantes, onde se encontram “jovens sem ideologias, aproveitados pelo auto proclamado Estado Islâmico para engrossar as suas fileiras”. Diz que a França não soube integrar os emigrantes argelinos quando foi tempo e que, agora, os filhos desses mesmos emigrantes estão “perdidos”. “Perdidos mas europeus. Pedaços do nosso tecido.” Uma voz do fundo da plateia concorda. Natália Almeida tem um projeto de voluntariado na Namíbia, é portuguesa e foi criada num bairro de lata em França onde brincava com argelinos e marroquinos. Apesar dos “volta para a tua terra” que ouvia de outras crianças, e que só deixou de ouvir quando Portugal entrou para a CEE, Natália integrou-se.Foi essa integração que não aconteceu com toda a gente. “Aqueles terroristas cresceram nos mesmos sítios que eu! Mas eu tive a sorte de ter um nome menos diferente. Sou Al…meida só.” A mesma Europa cheia de valores democráticos e cristãos que Laszló prega, é a Europa que não a deixa usar “uma medalha da nossa senhora”, porque, para proibir a burka, proibiu também os símbolos cristãos. “É esta a Europa livre, e cristã que queremos preservar?!”.

Ficou a pergunta no ar, na sala do Vila Galé que acolheu os cinco debates do Ciclo Envolve-te e Desenvolve, organizados pelo jornalista André Rubim Rangel, da Associação para o Diálogo Multicultural. Os debates focaram-se em temas atuais e polémicos da região, do país, e do mundo, sendo que a constante presença de cristãos, judeus, muçulmanos e ateus “fez valer a pena”.

Este último debate contou com László Cebrian, da Fundação Cascais, Irene Guia, da Plataforma de Apoio aos Refugiados, e Laura Vasconcelos, da Associação de Defesa dos Direitos Humanos. Na plateia,.A cronista do JN, Cristina Azevedo, moderou a mesa apontando o dedo a quem aponta as armas, estejam elas de que lado do planeta estiverem.

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