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Sociedade

“SOU MAIS ATIVISTA. SOU CIGANO E ROMENO, MAS ESTÁ DENTRO DE MIM”

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Nasceu e foi criado na Roménia. Nas ruas do Porto encontrou a casa durante dois anos. A história de Christian é a dele, mas contá-la é como falar da de outros tantos. Foi sem abrigo e toxicodependente. E deu a volta. Da Roménia para Portugal, a viagem lavou-lhe o vício. No Porto, fez-se ativo, ativista e solidário. Fez parte da fundação do Movimento uma Vida como uma Arte, é membro da Agência Piaget para o Desenvolvimento e educador de pares na C.A.S.O. Portugal. É voluntário junto daqueles que vivem o que viveu, porque o sabe, porque o compreende.

Christian queria fugir do mundo pesado da droga e ir para um sítio onde existissem poucos romenos. Depois de pesquisar, encontrou o Porto. Veio com o irmão e dois amigos e o primeiro local com que se deparou e ficou maravilhado foi o Estádio do Dragão.

A rua foi a casa de Christian durante dois anos, altura em que se sentia uma pessoa invisível e que sentiu na pele a exclusão. “Uma pessoa desse género é mesmo super invisível. Mas devemos deixar de fazer aquela discriminação social, que no dia de hoje é mais por exclusão que por discriminação e aceitarmos o nosso parceiro da vida, o nosso amigo, aceitarmos seja o que for! Mas não… Estamos no século XXI, a era de tudo e mais alguma coisa, e não há nada! Ainda há discriminação, ainda há muita exclusão!”

A tristeza preenchia e banalizava os dias. Tinha saudades de casa, dos amigos, de tudo. “Não existe almoço na rua, o jantar é às 11 da noite, o pequeno-almoço também não existe.” Conta que chegou a ver sem-abrigos com curso superior, pintores e poetas. Admite que pedem dinheiro pelo vício, mas que o que necessitam é de comida e compreensão. “A escolha da pessoa não podemos condenar. Não somos Deus, nós somos o ser Humano. Essa é a tua escolha e eu vou tentar ajudar no que eu posso.”

A vontade de viver e mudar de rumo levou Christian a começar a pesquisar até que descobriu que a metadona é uma droga ainda pior que a heroína e a cocaína. Aí, começou a reduzir o consumo e a conhecer pessoas com histórias de vida que o chocavam: “Se eu começo a descrever tudo o que eu ouvi até hoje não faço um livro, faço 5 ou 10 livros! Aquelas histórias deixavam-me chocado!”.

Christian queria fazer a diferença e dar voz aos que não a têm. Então, após conhecer um educador de pares, percebeu que este tipo de pessoas também viveram histórias semelhantes à sua. “Um educador de pares é aquela pessoa que passou por aquele estilo de vida que eu tive. Tu também podes ser um educador de pares, porque tu passas por uma faculdade e tu já sabes o que se passa e estás a partilhar isso com outra pessoa, ajuda outra pessoa a ficar melhor.” A partir daqui, envolveu-se com algumas instituições, mas hoje está contra as mesmas, pois “a política deles para ajudar uma pessoa não faz nada, é só para angariar!”.

Começou por se envolver num projeto da APN para poder conhecer as pessoas e perceber que conselhos esperam. “E foi aqui que eu fiz mesmo amigos e que percebi que eu, Christian, tinha força para ir para a frente!”
Christian Georgescu define-se como um lutador. Conseguiu sair das ruas, mas ainda continua a lutar pelos que vivem uma história como a sua. “Ainda ontem era eu quem estava na rua, era a minha luta.” Conta que vivia numa casa abandonada, mas isso não era motivo para não se preocupar com a imagem e a higiene: “(…) eu fazia aquela diferença de me lavar, estar sempre limpo, ter uma t-shirt limpa e cheirar um pouco bem para depois ir a uma reunião. E quando eu entrava nas reuniões e estava a falar, às vezes, as pessoas que iam àquelas salas ficavam de boca aberta com aquilo que eu estava a dizer… Sim, eu estou a morar numa casa abandonada! Qual é o problema? Já agora, tu numa casa abandonada precisas de cheirar a quê? Queres cheiro? Vai à casa de banho que encontras cheiros. Lá não! Eu gosto e luto por aquilo que eu quero e as pessoas fazem aquelas confusões…”

A sua força de vontade fez com que Christian encontrasse as pessoas certas nos momentos certos. Um amigo foi falar sobre a situação de Christian com o diretor da Casa da Rua, comunidade de inserção da Santa Casa da Misericórdia do Porto e ele aceitou que fosse viver para lá durante mais de um ano.

Acha que é fundamental tirar as pessoas da rua, por isso, Christian é cofundador do Movimento Uma Vida como a Arte, juntamente com o amigo, Vítor Santos. O Movimento existe desde 2013, é formado por pessoas que já foram ou são sem-abrigo e quer dignificar quem tem as ruas como sítio para viver.
Até chegar onde está, Christian teve várias reuniões para encontrar as melhores soluções para aproximar as pessoas da situação dos sem-abrigo. Para tal, teve de se juntar com a Segurança Social, pois eles “têm mais conhecimento e mais força e para levantar precisas de força, certo? Sim! Então, é o que precisamos para levantar, que é o que queremos fazer!”. Nas primeiras reuniões, apareceram apenas 10 pessoas e os objetivos ainda não estavam bem definidos, mas, aos poucos, tudo foi ficando delineado, até ao ponto de terem 50 sem-abrigos reunidos, na Junta de Freguesia de Sto. Ildefonso. O primeiro evento para dar a conhecer a situação dos sem-abrigo aconteceu em dezembro de 2013 e teve sala cheia. Teve a presença de executivos e diretores “de Braga e de várias cidades perto do Porto e as televisões foram todas. Foi uma coisa, um boom!”. O impacto do Movimento na sociedade foi grande, mas Christian continua a querer trabalhar por si, sem se associar com instituições: “(…) ainda quero seguir aquele caminho pela luta, não me associar com ninguém. Ah! Se eles se querem associar-se comigo naquela luta, sim senhor! Agora, eu associar-me com eles porque eles têm mais dinheiro, têm mais não sei quê, eles fazem não sei quê… Aqui já não concordo!”.
Christian também faz parte da associação C.A.S.O. (Consumidores Associados Sobrevivem Organizados), está inscrito na Plataforma + Emprego, projeto do NPISA-Porto (Núcleo de Planeamento e Implementação Sem-Abrigo), que procura sinergias com o mundo empresarial para integrar os sem-abrigo no mercado laboral e já fez o curso de Gestão de Associações de Utilizadores de Drogas e Trabalhadores Sexuais na Agência Piaget.

Hoje está a tentar regularizar uma organização, juntamente com a namorada, chamada “Saber Compreender”. O objetivo é recolher cobertores, produtos de higiene, águas, pães, percorrer pontos críticos da cidade e utilizar os donativos para ajudar as pessoas a saírem da rua. Depois disto, acompanham a pessoa à Segurança Social, mas não a deixam sozinha mesmo depois de ela arranjar 4 paredes para morar.

Christian acredita que o papel dos educadores de paz é fundamental para tirar as pessoas da rua, pois permite dar a conhecer o que passam os sem-abrigo, de modo a ser mais fácil lidar com a situação. “Essas pessoas fazem a diferença. (…) o educador de pares é aquela voz entre comunicações da sociedade e a dos sem-abrigo. (…) Por exemplo, como tu não conheces o sem-abrigo, porque nunca falaste com ele, eu posso dar-te aquelas dicas sobre o que podes falar, o que podes aprofundar. Coisas que ele pode não aceitar, porque eu não aceito. Porquê? Porque eu também não gostava. Precisamos todos de um educador da paz, seja quem for, seja na sociedade, seja napolítica, em todo o lado.”

A casa da namorada é hoje o lugar onde vive. Afirma não conseguir alugar uma casa “porque se eu vou com o meu visto de residência, veem logo “Roménia”. E percebo pela cara deles, por isso, digo logo: «Não preciso, obrigado! (risos)»”. Apesar disso, Christian não se considera uma vítima de xenofobia, pois acredita que cada um é livre de gostar de quem quer, mas faz para que as pessoas gostem dele. “Eu conheço uma pessoa de extrema-direita. Juro-vos… Trabalha com a minha namorada, eu chamo-lhe de tio, e ele adora-me. E ele é contra estrangeiros, é contra tudo. Mas de mim gosta. Porque eu tenho a mania de fazer com que as pessoas gostem de mim, é o meu estilo.”

Christian não esconde as suas origens ciganas. Acha que o seu talento para falar e aproximar-se das pessoas foi herdado das suas raízes, embora não tenha sido criado numa comunidade. “A minha avó saiu da Roménia com o meu avô. Criou cinco filhos de forma normal e os netos… Dos quais eu faço parte, daquela malta (risos). Somos poucos, para aí 25… O meu avô dizia «Não te esqueças de quem és. Não esqueças o sangue que passa por dentro, sejas romeno ou não». E eu não esqueço. Metade de mim é romena e outra é cigana. E eu não esqueço e não tenho vergonha em dizer isso, sou cigano e orgulhoso.”

No entanto, Christian reconhece que existem algumas leis ciganas que deveriam ser proibidas, como é o caso dos rapazes e raparigas serem prometidos para casar pelas famílias logo desde muito novos, assim como o papel da mulher na comunidade: “Estamos em 2015, não estamos em 1820. (…) Não vou obrigar a minha filha a casar com quem eu quero. Se ela gosta de um pobre, vai com um pobre. Se gosta de um cigano, vai com um cigano. Sim, isto eu mudava e dava mais liberdade às mulheres.”

Em Portugal, Christian ainda sente muita discriminação quando se houve a palavra «cigano». “O que se devia fazer era integrar as pessoas na sociedade e castigar a exclusão social. A primeira professora que visse a excluir, proibia logo de trabalhar como professora. Mandava varrer as ruas. Para se sentir bem. Como estás a humilhar um ser humano, eu vou-te humilhar a ti. (…) Para eu sentir isso e nunca na vida humilhar uma pessoa”, defende.

Christian Georgescu define-se como ativista: “Sou mais ativista. Sou cigano e romeno, mas está dentro de mim”. Está contra as instituições, o Estado e o modo como a política aborda os sem-abrigo. Diz que para o ser, é preciso otimismo e que até agora não o perdeu, nem o vai perder. Quer, com isso, levar o maior número de amigos a ir na luta consigo.