Política
PRAXE ACADÉMICA: “MALA PRAXIS, SED PRAXIS?”
Às 15h00 do dia de ontem, o centro de acolhimento ao cidadão, na Assembleia de República, encontrava-se repleto para ouvir e debater o pressuposto de “mala praxis, sed praxis?”. O painel contou com Luís Monteiro, deputado do Bloco de Esquerda, Elísio Estanque, sociólogo, e José Caldas de Almeida, diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
A abertura desta audição pública ficou a cargo de Luís Monteiro, que iniciou a sua intervenção afirmando que, para se fazer uma correta análise do fenómeno das praxes académicas, é necessário olhar para além dessa “instituição” conservadora e segregadora, totalmente alheada a uma visão plural e democrática. Para além da violência associada que já é punida por lei, o jovem deputado explicou que é preciso abrir um debate que promova discussão de propostas para o futuro da integração académica neste campo.
Monteiro prosseguiu dizendo que este modelo de suposta integração no Ensino Superior não deve ser proibido, mas sim combatido: “Tenho para mim que a ideia de que existe uma praxe boa é puro voluntarismo sem efeitos práticos. A praxe representa um mecanismo distorcido de integração a partir da exclusão.”
Seguidamente, Elísio Estanque tomou a palavra e garantiu que “praxe não é uma brincadeira de garotos”, é um “fenómeno social”. O sociólogo esclareceu que o seu interesse neste tema surgiu quando se apercebeu que a praxe atraía grande parte dos jovens universitários que acabavam de chegar ao ensino superior: “É preciso compreender este fenómeno antropologicamente”.
O sociólogo garante que nestes “rituais de iniciação” existe um lado lúdico, de diversão, de integração, mas que os estudantes não aderem às praxes maioritariamente por isto, pois, no fundo, existe uma aceitação e uma reprodução de submissão passiva a uma hierarquia. Continuando com a sua argumentação, o orador afirma que este “fenómeno social” revela muito do que são as tendências, os comportamentos, as expetativas e as práticas no espaço de lazer da juventude estudantil.
Termina refletindo sobre o facto de, antigamente, a parte lúdica e boémia da praxe (por exemplo, beber bebidas alcoólicas) coexistir pacificamente com atividades extra-curriculares, questionando o porquê de, agora, essa mesma boémia coexistir com atos violentos e de humilhação ao invés de atividades de enriquecimento pessoal e profissional. Deixa, por fim, um recado às instituições de ensino superior, pois, no seu ponto de vista, estas deveriam ter um papel mais ativo e responsável na integração dos novos alunos, tal como acontece em países estrangeiros.
José Caldas de Almeida subscreve na íntegra tudo o que foi dito por Elísio Estanque e assegura que a praxe é um “problema muito sério”. Ainda nesta linha de pensamento, sublinha que este fenómeno é uma regressão em termos civilizacionais de 300 anos.
A falta de espírito crítico é também um ponto no qual José Caldas de Almeida toca, dando o seu exemplo pessoal. O seu tempo de universitário ocorreu paralelamente à ditadura. Deste modo, no final de cada ano letivo, existia uma espécie de “sarau cultural” onde, com ironia e sarcasmo, se criticava o regime e o que, no ponto de vista dos estudantes, estava mal no sistema. Deste modo, explica que a recorrência dos fenómenos de submissão e humilhação são um indicador de que “algo que está mal na sociedade portuguesa”. Na opinião do professor, a faculdade devia ser um lugar para amadurecer.
Conclui a sua intervenção de igual forma a Estanque, criticando a passividade e a alienação das instituições de ensino superior em criarem programas de integração dos novos alunos: “É preciso mais conhecimento, mais investigação, estratégia, compromisso dos diretores e das entidades académicas e compromisso das associações de estudantes.”
De seguida, deu-se a abertura do debate que teve participações do pró-reitor da Universidade do Porto, do João Mineiro, coautor do livro “Como Desobedecer à Praxe”, do Paulo Vieira, da associação coimbrã “Não te Prives”, da AEFLUP, de coletivos como a ANIMAL, de um grupo de integração alternativo à praxe, de uma representante praxista e também de membros outros presentes. O debate foi polarizado para o combate à praxe sendo que, a única defensora deste modelo de integração foi a estudante praxista.
Luís Monteiro encerra a audição pública reiterando que é necessário um trabalho com todos e todas para terminar com o que, no seu entender, é uma “realidade escondida”.