Sociedade
TEDxPortoWomen: o início de novas pontes
Foi no passado sábado, 4 de novembro, que o auditório Ilídio Pinho da Universidade Católica do Porto, Campus Foz, foi palco do TEDxPortoWomen, uma conferência que reuniu um conjunto de pensadores e criativos que estimulam a transformação de ideias em ações concretas que incentivam e motivam à intervenção na comunidade.
O tema comum de todas as intervenções deste primeiro TEDxWomen em Portugal foi o “Bridges”, a construção de pontes de conexão e de aproximação uns com os outros.
TED refere-se ao acrónimo de “Technology, Entertainment and Design”, sendo que o “x” define um evento organizado independentemente das “talks”, estas últimas conhecidas por um já vasto público.
A abertura e fecho do evento foram feitos por Norberto Amaral, voluntário desta organização que desde logo tornou o ambiente do auditório mais caloroso e aconchegante: em palco, com a sua mulher, propôs ao público que se agregasse em pares, para que assim, cada par se pudesse abraçar, colocando os seus corações em contacto.
O painel de oradores (constituído por seis pessoas) realizou a apresentação das suas ideias intercalado com a projeção em primeira mão de quatro TED talks selecionadas, que foram gravadas no TEDWomen em New Orleans, entre os dias 1 e 3 de novembro deste ano.
A primeira oradora foi Cláudia Morgado, COO da empresa Redlight Software, um projeto que alia as suas duas paixões: a farmácia e a tecnologia. A pergunta de partida da sua exposição foi a de que se homens e mulheres são diferentes, será possível dissociar ideologia e cultura? Próxima da realidade das desigualdades de género no mundo do trabalho, porque no universo do software a maior parte dos trabalhadores são do sexo masculino, Cláudia realçou a importância de se perceber que as desigualdades não são algo natural, mas sim socialmente incutido. Motivada pela polémica das diferenças encontradas nos livros que damos às meninas, relativamente àqueles que damos aos meninos, a oradora alertou para o facto de que “é uma responsabilidade de todos nós, e não apenas dos pais, aquilo que damos às nossas crianças”.
“É preciso deixar de pensar em ensino, e começar a pensar em aprendizagem.”
Sara Ramos, a segunda oradora do dia, e fundadora da The New Digital School Porto, apresentou-nos um modelo de escola em que não há currículo fixo, programa, nem sequer sistema de avaliação, o que faz com que o mundo do estudo e o do trabalho não se dissociem, mas se complementem, havendo uma ótima preparação do futuro dos alunos. Segundo Sara, “é preciso deixar de pensar em ensino, e começar a pensar em aprendizagem”.
Com os seus sempre presentes sarcasmo e ironia (ainda que não apreciados por todos os membros do público), o comediante Jovem Conservador de Direita representou aquilo que descrevemos como uma “situação típica familiar de uma sociedade machista”, sendo que para isso recorreu a piadas como “Deus fez as mulheres com pelo para dinamizar a economia” (uma vez que as mulheres são impingidas a fazer a depilação), e “criminalizar o piropo é dar um subsídio às pessoas feias”.
Após o intervalo, a palavra foi passada a Nour Machlah, arquiteto e refugiado sírio, que, após uma passagem pela Turquia, encontrou um porto seguro em Portugal, descrevendo que a primeira impressão que teve das pessoas portuguesas foi a de que eram afetuosas. Em inglês, Nour referiu que as perguntas que colocou a si mesmo, quando estava no avião a caminho de Lisboa, foram duas: “Como é que vai ser a minha vida lá?” e “O que é que será que as pessoas portuguesas esperam que eu seja?”. O conceito central deste tão simpático orador foi o de “estereótipo”, expondo que a sua ideia é a de que “não somos iguais, somos similares, por vezes… mas completámo-nos uns aos outros”.
A diversidade de culturas foi rainha no palco do auditório, e Navvab Aly, uma jovem mestrada em Estudos Africanos, e fundadora da página A Preta Aly, na qual ajuda meninas e mulheres a cuidar do seu cabelo, foi também rainha na sua força extraordinária. Oprimida desde a sua infância por olhares racistas, Navvab diz ter encontrado duas fontes para lidar com a opressão: a sua cultura e a sua identidade, referindo na sua exposição que “o meu cabelo não é só cabelo, é a minha identidade”. Feminista de garra, diz: “eu não quero ser protegida, eu quero um sistema que me ajude a proteger-me a mim própria”, e ainda “o feminismo serve para nos unirmos, nós (mulheres) podemos ser irmãs, solidárias umas com as outras, ajudar-nos umas às outras”.
“Ensinou-me a nossa humanidade.”
O painel de oradores foi fechado pela wine blogger americana Gabriella Opaz, com o mote “aprender a ser humano”. Contou que, num episódio da sua vida em que viu um monte de lixo proveniente de uma comunidade cigana, seu filho a motivou a limpar, a fazer algo pela sociedade; nas suas palavras “ensinou-me a nossa humanidade”. Nascida com uma doença grave e salva por uma operação que lhe deixou uma cicatriz de grandes proporções na zona abdominal, Gabriella enfrentou o drama do bullying, principalmente na adolescência, (“as palavras deles tornaram-se na minha identidade”), situação que a levou à bulimia, e não muito ajudado pelo facto de os seus pais serem alcoólicos e não a apoiarem. Atualmente, procura responder a inúmeras questões sobre o ser humano, entre as quais nos expôs a seguinte: “qual é o objetivo da escola, se não ensinar-me a ser eu?”, referindo que “somos postos num corpo e não sabemos como o usar”.
Para além das palavras que este painel gravou na memória de quem teve oportunidade de estar presente na conferência, muitas outras foram marcadas pelas TED talks selecionadas, compostas por Cleo Wade (“sê bom para o maior número de pessoas possível”), John Cary (“a dignidade é para o design o que a justiça é para o direito e a saúde para a medicina”), Sally Kohn (political pundit, autora de “Hate”, e que comoveu com a sua história pessoal de ex-bully) e Anushka Naiknaware (pequena cientista de 14 anos, que criou uma ligadura que avisa o seu utilizador quando precisa de ser mudada).
Para além das “talks”, muitos foram os momentos de convívio que permitiram a contrução de pontes entre oradores e público e público, entre si. O JUP teve o privilégio de falar com Gabriella Opaz, perguntando qual tinha sido o momento marcante da sua vida que a fez mudar de pensamento e ganhar força, à qual ela respondeu carinhosamente e com um brilho no olhar que “Não foi nenhum momento em concreto. Chegamos a uma fase da vida em que só temos duas opções: ou afundar ou nadar. E eu tive de nadar.”.
Com uma percentagem de 95% de mulheres e apenas 5% de homens presentes no evento, incluindo voluntários e todo o staff do TED, foi visível a mudança, e a esperança na igualdade de género que é necessária alcançar. Como Navvap disse, “nós precisamos dos homens, precisamos de todos a fazer mais poderosos aqueles que estão em desvantagem no sistema”.
“Saí da TedXPortoWomen com a sensação de que me tinham rasgado o peito ao meio e atirado lá para dentro uma sede de bem, de amor e de luta que nunca tinha sentido tão forte.”
Inês Silva, aluna de Línguas, Literaturas e Culturas, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, partilhou connosco o seu testemunho daquele que foi o seu primeiro contacto com o TED: “Saí da TedXPortoWomen com a sensação de que me tinham rasgado o peito ao meio e atirado lá para dentro uma sede de bem, de amor e de luta que nunca tinha sentido tão forte. Foram 10 talks que palpavelmente não mudaram nada na minha vida, mas que a longo prazo, por todas as ideias incríveis que presenciei, vão ter repercussões. Grata pelo que aprendi, por quem conheci e pelo que comi (que também conta) espero que a primeira Ted Women não tenha sido a última, Portugal precisa de coisas assim.”.
É importante ainda referir que o TEDxPortoWomen, com o dinheiro conseguido de bilheteira, vai apoiar o Lar Coração D’Ouro.
“Juntos podemos mudar o mundo.”
A construção de pontes de aproximação foi sempre o aspeto central do evento que marca o início de uma nova jornada do TEDx. Num nível mais aproximado, Gabriella Opaz faz-nos um convite: “ajudem-me a criar ferramentas para trazer às crianças. Juntos podemos fazer disto uma realidade, e juntos podemos mudar o mundo”.