Cultura

ENTREVISTA: VANESSA RODRIGUES

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Vanessa Rodrigues, 33 anos. Jornalista, documentarista.

Licenciada em Jornalismo, Pós-Graduação em Direitos Humanos, Mestre em Informação e Jornalismo, Doutoranda em Estudo dos Media. Viveu 5 anos em São Paulo como correspondente da rádio TSF, Diário de Notícias e NM. Viajou 4 meses pela amazónia brasileira num projeto pessoal e profissional de reportagens. Viveu 3 meses na Jordânia para trabalhar num documentário. Atualmente está dedicada ao jornalismo de viagens, a escrever um livro e a terminar um documentário.

São Paulo, Amazónia, Jordânia entre outros países do Médio Oriente… Consideras-te uma cidadã do mundo?
Acho que basta ser português para sermos cidadãos do mundo. No livro “A primeira aldeia global”, o jornalista inglês Martin Page escreveu que, através dos Descobrimentos, fomos pioneiros no que se entende por globalização. Somos uma mescla de várias culturas; no nosso ADN corre o mundo e talvez seja isso que me inspira.

Qual é a condição que dirias ser essencial para o ser?
Curiosidade. Mas cada um saberá o que o move.

Quando entraste para a Faculdade, era assim que te imaginavas?
Quando entrei para a faculdade, aos 18 anos, apenas sabia que queria escrever, viajar, e estudar vários assuntos ao longo da vida. Escolhi o jornalismo porque me pareceu a profissão onde poderia ser mais livre. Percebi, ao longo do tempo, que ele me permite, por isso, ser uma pessoa melhor, na generosidade de olhar o Outro com respeito, mas sobretudo com a responsabilidade de denunciar situações erradas que muitas vezes ficam na invisibilidade.

Que memórias surgem quando pensas nos sítios onde viveste?
Sou um pedaço desses mundos, inevitavelmente. Os lugares onde vivi “invadiram-me”. Lembro-me, sobretudo, de aprendizagens. Se me perguntares sobre particularidades, arriscaria afirmar que na Amazónia brasileira, aprendi sobretudo sobre a liberdade e o despojamento; no Brasil, em geral, sobre a leveza da vida; na Jordânia sobre a pesada condição humana; e no Porto aprendo todos os dias a ser feliz.

O que é ser uma “caçadora de histórias”?
Engraçado, já não sei de onde veio esse epíteto. Mas gosto dele porque me identifico. Há muitos jornalistas que são caçadores de histórias. Caçar histórias é coleccionar elementos do real, ir à procura de resgatar memórias e redescobrir testemunhos escondidos. Fascina-me ouvir as pessoas e, às vezes, agarro essas histórias que se transformam em reportagens, fotografias, documentários, poesias, contos.

Fala-nos um pouco sobre o teu trabalho. Além de jornalista, és escritora e documentarista. Comecemos pelo teu livro “O Barulho do Tempo”, de 2013. Como surgiu a ideia?
Tenho várias paixões e é nessa diversidade que os meus olhos brilham. “O Barulho do Tempo”, que também tem fotos a preto e branco, foi um convite da editora Culture Print que já conhecia o meu trabalho. O Jornalismo começou a não ser suficiente para me expressar, por isso as outras atividades surgiram naturalmente: os trabalhos multimedia, documentário, fotografia. Permitem-me explorar várias linguagens e diferentes formas de contar histórias.

Viveste na Jordânia e fizeste um documentário sobre o campo de refugiados Palestinianos em Gaza, “Remember Us”. Que impacto teve fazê-lo?
O documentário é da autoria da jovem realizadora palestiniana Dalia Abuzeid, que me convidou para fazer a pesquisa, ajudá-la a encontrar os personagens e, depois, escrever em co-autoria o guião a partir das histórias no campo de refugiados de Gaza, em Jerash, a norte de Amã. Este é um documentário com histórias inspiradoras, num contexto muito duro que é viver num campo de refugiados. Quem ali vive está privado de direitos fundamentais, como cidadania, igualdade, justiça e liberdades. Como estrangeira, por exemplo, tenho mais direitos que um refugiado palestiniano de Gaza, que nasceu na Jordânia. Muitos jordanos sequer têm noção deste cenário. Há um apartheid que é aceite tacitamente e é perceptível a hipocrisia dos sistemas internacionais de Direitos Humanos.

Também estiveste na Palestina. Como vês o tratamento jornalístico que se dá cá em Portugal às questões da Palestina e Israel?
Vou-te contar uma história. Depois de ter visitado várias aldeias palestinianas com amigos palestinianos e portugueses, conhecedores do cenário, depois de ter estado numa manifestação pacífica semanal junto ao muro, na aldeia de Bil’in, e de ter recuado perante gás lacrimogénio, pensei que era inevitável não escrever várias reportagens sobre o que vivenciei: desde o atropelo de direitos humanos ao apartheid vincado e socialmente aceite. Fiz várias propostas a revistas e jornais portugueses sobre o assunto, até porque havia o gancho da atualidade: o estado de Israel nasceu em 1948, logo há ocupação há 65 anos. Tive várias respostas curiosas, desde a habitual falta de espaço a respostas como esta que transcrevo: «como deves calcular, a questão israelo-palestiniana provoca demasiados anticorpos e a maioria dos nossos leitores já nem quer ouvir falar.» Esta resposta é um termómetro muito perigoso e grave de como funciona a cabeça de alguns editores em Portugal, naquilo que se filtra como sendo interesse público. Em Portugal, houve já vários e sérios trabalhos publicados sobre o assunto, como o da jornalista Margarida Santos Lopes, entre outros. Mas basta abrir os jornais para perceber que a questão não ocupa espaço na nossa imprensa. Sabemos muito pouco sobre o assunto e, a não ser aqueles que procuram informar-se melhor sobre o tema, há  muita ignorância e muitos estereótipos arraigados.

Além das imensas coisas que continuas a fazer, agora és professora. Como está a ser o retorno a casa, agora no outro lado da sala?
Estou a adorar dar aulas – pois são espaços de discussão onde também aprendo muito com os alunos. Acho que o mundo continua a ser a minha casa, embora adore viver em Portugal, cada vez mais, e fato de o Porto ser a cidade com maior qualidade de vida que já vivi. Estar aqui permite-me estar próxima de mim e da família, evidentemente, e fazer o exercício de consolidar o que aprendo. Ser professora também é isso, permite-me ser uma pessoa melhor, uma melhor profissional.

Num mundo do jornalismo com bastante precariedade, como vês o futuro dos novos e das novas jornalistas?
Os sonhos são sempre projetos de vida à espera que arregacemos as mangas para o fazer. Eu também tenho problemas e dificuldades como toda a gente, apesar de felizmente fazer o que mais amo e ser feliz. A minha família sempre me apoiou neste percurso. Às vezes ainda ouço de pessoas mal-intencionadas a frase de que deveria arranjar um trabalho de jeito, mas estou bem comigo por poder fazer o que o meu coração diz para fazer. Terminei a Licenciatura de Jornalismo há 11 anos e já nessa altura não era fácil. O Jornalismo até pode estar numa crise de identidade, mas nunca como hoje houve tantas oportunidades: multimédia, videojornalismo, redes sociais, documentário, blogues. Cada geração tem os seus desafios e a chave de tudo é a união para se fazer um jornalismo melhor.

No próximo sábado, 8 de Março, és uma das oradoras no TedxOporto, sobre o tema de jornalismo independente. Dá-nos umas dicas sobre o assunto: quais são os seus maiores desafios?
Os maiores desafios do Jornalismo independente, pelo que percebo da minha experiência, é convencer os editores que eles sabem muito pouco sobre os seus leitores, quando acreditam que se uma história não é sexy ou a pessoa não fica bem na foto, a revista não vai vender. O maior desafio jornalismo independente, feito por jornalistas que andam na rua e conhecem as necessidades dos leitores, é convencê-los que a reportagem é vital para a sanidade do jornalismo e a saúde da nossa democracia.

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