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ILHA DA BELA VISTA: PASSADO E FUTURO

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O portão verde, do 832 da Rua Dom João IV, esconde uma realidade antiga, estranha aos portuenses. A passagem estreita rodeada de pedra, o hall, que dá para divisões independentes, apertadas e esquecidas no tempo pelas entidades mais diversas da cidade.

Depois de anos de luta, Domingos Aloísio, que vive na ilha há cerca de 40 anos, revisita o passado de “muitas promessas que nunca foram cumpridas”. Também Rosa Pinto, nascida ali há 69 anos, recorda que “diziam que isto ia a baixo, andaram muitos anos a vir cá e depois nunca mais voltaram”. Mas, agora, os primeiros ventos de mudança parecem começar a fazer sentir-se: “isto nunca foi encarado como é agora”. E as dúvidas em relação ao futuro dão lugar à expectativa. Hoje surge esperança: quando se veem “as pessoas a vir cá, acredito mais que isto vai andar”.

É por acreditar que as ilhas podem ser uma alternativa aos bairros em altura, constituindo-se como uma oportunidade e um novo conceito de habitação mesmo no coração da cidade – a habitação lowcost –, que o antropólogo Fernando Matos agarrou-se à Ilha da Bela Vista, no Laboratório de Habitação Básica e Social (LHBS). Esta corresponde a uma tipologia de habitação que abre portas à fixação de “casais jovens, de estudantes e à heterogeneidade social”, ao mesmo tempo que permite que “os que estão lá a viver se mantenham”. Diminuir a exclusão social, melhorar a qualidade de vida e a mobilidade da população e, “acima de tudo devolver a vida à cidade” são os grandes objetivos deste projeto que vê, em julho, o arrancar das obras.

Modelos de construção

Todo o processo de construção deve ser de baixo custo, cujos valores finais não excedam os 10.000 euros, de modo a gerarem rendas mensais que não ultrapassem os 200 euros, sendo atribuídas segundo os rendimentos das famílias e dando prioridade aos habitantes que sempre viveram nessa ilha. Muitos deles, já perto dos 80 anos, e para os quais a atualização da renda não irá representar uma subida excessiva até porque, como afirma Fernando Matos, promotor do projeto, “seria imoral pedir a um idoso uma renda insuportável”. Para isso, a proposta é “fazer casas através do aproveitamento do espaço, compensando o pouco espaço com bons desenhos”, como explica um dos arquitetos do projeto, Fábio Rodrigues.

A fachada dos edifícios irá manter-se, assim como todo o perfil do bairro. As habitações terão áreas compreendidas entre os 20 e os 47 metros quadrados e serão o mais sustentável possível. Para Fábio Rodrigues, a ideia desta construção é, “através de técnicas passivas, sem material muito caro e aproveitando a dinâmica do próprio espaço”, resolver os problemas de iluminação, aquecimento e ventilação. Também Fernando Matos reforça que o objetivo deste projeto é construir “habitação básica, introduzindo qualidade em termos de aquecimento e acústica, sem que haja grandes alterações de áreas”.

A arquitetura é o pilar deste projeto, a par de uma forte valorização do associativismo de moradores, através de uma aposta sólida numa programação que, de acordo com Fernando Matos, traduz-se num “mix de convergências inteligentes, criativas e solidárias em prol de um projeto que queremos pragmático e que seja um modelo de reabilitação a custos básicos para a cidade do Porto”, devendo ter sempre o cuidado de incluir os próprios moradores.
Este projeto resulta de vinte anos de estudo desta tipologia de habitação e de um conjunto de sinergias entre várias entidades: a Escola Superior Artística do Porto, Instituto Superior de Serviço Social do Porto e as Universidades do Minho, de São Paulo, Boston, Passo Fundo e de Harvard, mas que também conta com o apoio da Câmara Municipal do Porto, que vê agora no novo presidente uma lufada de ar fresco: “havia um compromisso que se o Dr. Rui Moreira ganhasse a câmara o laboratório seria instalado na Bela Vista”.

Domingos, Rosa, Manuel e Ana são os rostos da Bela Vista, os resistentes, que viram pessoas a chegar e a partir, uns nascer, outros morrer, viram e ouviram de tudo sem que nada acontecesse. Para já, o entusiasmo é geral e os pedidos são os mesmos: uma “casinha pequena” e gente boa, que venha com boa fé e com “espírito de bem-estar”, especialmente “casais com crianças, que deem vida a isto”.

As ilhas – um espaço da cidade, na cidade

As ilhas estendem-se de Campanhã a Ramalde, passando pela baixa da cidade. São os grandes e imponentes edifícios de fachada antiga, que, por trás, albergam uma realidade, muitas vezes, estigmatizada e incompreendida.

Muitas refletem a cidade industrial dos anos 20 e 30, outras são o marco das migrações cidade/campo, das décadas 50 e 60. Eram “casas que albergavam um casal com três filhos e de repente passam a ser espaços que albergam os primos e os tios”, tornando-se, naquilo a que Fernando Matos denomina de “oceano de gentes que veem do mundo rural e que caiem na cidade”, sendo por isso a ilha “o primeiro momento da entrada na cidade”.

No entanto, o antropólogo recusa “a ideia folclórica e romântica de que a ilha é um espaço de partilha absoluta”, alertando que o quotidiano nestes espaços assenta numa “relação de convivência entre o que é meu e o que é do outro”, havendo por isso “valores intrínsecos ao habitar que num bairro não existe”. São estes valores que fazem das ilhas sinónimo de identidade urbana, constituindo mais “do que um elemento físico, são um elemento sociocultural da cidade”, uma vez que são “espaços de memória” de onde sai muita gente, pessoas que fazem o Porto.

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