Política

Infância deslocada: a perturbante realidade das crianças refugiadas

Published

on

Criança refugiada. Fonte: www.un.org

O ser criança evoca muitas imagens: o da fragilidade, o da vulnerabilidade, o da inocência. Mas, acima de tudo, o da imperiosa necessidade de atenção para que se trilhe o caminho até a vida adulta. E nisso estamos falhando com as crianças que se submetem aos deslocamentos forçados.

Com o aumento massivo das migrações internacionais nos últimos anos, milhares de crianças tornaram-se as maiores vítimas desse processo, vendo-se privadas de seus direitos mais essenciais, como segurança e alimentação.

De acordo com o relatório de 2018 do ACNUR – Global Trendscerca de 70,8 milhões de pessoas estão em deslocamento forçado. Deste contingente mais de metade são crianças e adolescentes, dos quais mais de 138,6 mil encontram-se desacompanhados ou separados dos seus responsáveis.

Durante o trajeto essas crianças ficam expostas a riscos como o tráfico humano e a exploração sexual, e quando chegam “à porta” das fronteiras ou aos campos de refugiados encontram outro mundo de dificuldades, passando a viver em condições insalubres, sem respeito pela dignidade humana ou garantia de direitos como a educação formal – estima-se que cerca de 3,7 milhões dos menores refugiados não frequentem a escola.

Do medo e saudade às automutilações

Em entrevista à UNICEF em 2016, Malak, à época com 7 anos, contou como foi fazer a travessia com sua mãe: o medo antes do embarque, o medo durante a travessia de barco, o frio à noite. O cansaço depois do desembarque e os quilómetros a andar a pé.

Malak perdeu todos seus pertences na travessia. Carregava consigo apenas a saudade: da escola, da professora, dos amigos. Daquilo que um dia foi seu lar.

Tenho saudades da minha escola na Síria e da minha professora. Ela era muito querida, nunca me fez triste. Eu tinha muitos amigos… Agora não. Espero que as coisas voltem a ser como antes. Espero que a Síria volte a ser como era.”

Hoje Malak vive na Alemanha mas ainda sente muita falta de casa. Ela teve o que podemos classificar como “sorte” de sobreviver à viagem pelo mediterrâneo e por conseguir asilo.

Um sorte da qual não desfrutam as milhares de crianças espalhadas pelos campos de refugiados no mundo. Nos centros desumanos e superlotados, esses menores desenvolvem problemas psicológicos.

Sem estabilidade ou segurança, em Lesbos, na Grécia, há casos de crianças a cometer automutilação e tentativa de suicídio. Caroline Willemen, coordenadora da Médico Sem Fronteiras (MSF) na ilha, chama atenção para a gravidade da situação das situações psicológicas e estresse pós-traumático.

Começa com crianças agressivas, por exemplo, que não foram senão agressivas. As crianças que não querem mais comer, brincam e começam a fazer xixi na cama novamente aos 10, 12 ou 14 anos. Crianças que se machucam, se mutilam. A MSF também observa todas as semanas casos de crianças que tentaram suicídio.”

Em novembro do ano passado as autoridades gregas anunciaram o plano denominado “No Child Alone” – e solicitou à comunidade europeia apoio para acolher essas crianças e compartilhar responsabilidades.

Portugal vai acolher 500 crianças não-acompanhados que estão na Grécia

Em resposta ao pedido do Governo grego, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros português, anunciou no dia 12 de maio que 500 crianças não-acompanhadas, vivendo atualmente nos campos de refugiados na Grécia, serão trazidas a Portugal.

O país é um dos 5 da Europa – juntamente com a França, Luxemburgo, Finlândia e Alemanha – que atenderam ao pedido de ajuda da Grécia, para receber 1.500 dos mais de 5.000 destes menores.

Segundo dados do SEF, Portugal recebeu 188 solicitações de asilo de menores desacompanhados, entre 2014 e 2018. O país não tem uma demanda expressiva e não está entre os principais destinos de refugiados, mas ainda sim tem tido iniciativas relevantes no acolhimento de refugiados, através de atores como o Conselho Português para Refugiados e a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). 

As crianças vítimas dos deslocamentos forçados na América do Sul

A crise humanitária que assola a Venezuela provocou a saída de cerca de 4 milhões de pessoas, no que a ONU classificou como “o maior êxodo da história recente na região e uma das maiores crises de deslocamento do mundo”Os principais destinos são Colômbia, Peru, Chile e Brasil.

De acordo com estimativas da UNICEF cerca de 10 mil crianças entraram no Brasil entre 2015 e 2019. Destas, quase 2 mil cruzam a fronteira sozinhos ou acompanhados de pessoas que não são seus responsáveis legais. Muitos estão no alojamento BV8, na cidade de Pacaraima, Roraima, na fronteira com a Venezuela, e outras encaminhadas para instituições em Boa Vista, capital do estado.

Um dos maiores desafios no atendimento desses menores é a falta de documentação, inclusive para comprovar o grau de parentesco. Para contornar a situação, existe um esforço da Defensoria Pública da União em verificar as informações, através do diálogo com os menores e informações recolhidas com outras pessoas.

Outros casos também são relatados pela Defensoria, como o grande número de adolescentes que entram no Brasil com seus supostos parceiros, muito mais velhos. A Defensoria procura apurar se estes casos configuram exploração ou mesmo tráfico de pessoas.

Artista venezuelano chama a atenção para o abandono de bebés no país

Enquanto os pais abandonam a Venezuela em busca de melhores condições de vida, milhares de crianças são deixadas para trás. Embora não se submetam aos riscos e às difíceis condições do exílio, essas crianças também são vítimas dos conflitos e das crises humanitárias de seus países.

O abandono ou a entrega de bebês são frequentes na Venezuela — Foto: Guillermo D. Olmo/ BBC

Sem condições de prover sobrevivência a seus filhos, mães abandonam ou entregam seus bebês de forma irregular. São situações cada vez mais habituais. «Proibido colocar bebés», é o aviso perturbador colocado pelo artista venezuelano Eric Mejicano, em mais de trezentos locais do país após ter visto um bebé deixado numa lixeira.

Ilustra o abandono. Não apenas abandono da mãe que não pode prover à sobrevivência mas a omissão da comunidade internacional e sua incapacidade de fornecer respostas a esta geração negligenciada.

Artigo da autoria de Tálita Mello. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version