Sociedade

O futuro dos imigrantes depois da pandemia

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Em 2019, a população estrangeira na cidade do Porto somava 14.558 residentes, e cerca de 45% é representado por imigrantes brasileiros. Dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mostram que o aumento de brasileiros residentes na cidade acompanhou a média nacional – 44,7%, subindo de 4.481 para 6.485 imigrantes com autorização de residência no Porto. Este número não contempla, no entanto, os estrangeiros em situação irregular que esperam a sua legalização.

Os imigrantes são mais vulneráveis ao efeito pandémico, muitos à margem da Segurança Social, enquanto esperam a legalização. Sem contratos de trabalho, a fragilidade laboral não permitiu acesso aos auxílios fornecidos pelo governo português.

Numa cidade como o Porto, o setor dos serviços é um dos maiores recetores da mão de obra estrangeira. O turismo alimenta novos empreendimentos de restauração, hotelaria, bares e lojas, que recebem investidores e trabalhadores de outros países. Contudo, com a dependência do capital estrangeiro e do fluxo de turistas para nutrir estes negócios, os últimos quatro meses foram ainda mais difíceis para o setor.

Da busca por novos horizontes ao medo

A chegada a Portugal, no ano anterior, estava permeada de esperança na busca por novos horizontes profissionais, segurança e estabilidade. Ana Souza e Augusto Vieira, um jovem casal brasileiro com experiência em marketing e design, decidiram imigrar para iniciar sua família. Recém-casados, buscavam uma cidade com melhores infraestruturas e segurança. A escolha pelo Porto estava relacionada às suas áreas de trabalho, com o impulso destes setores na Área Metropolitana. No entanto, relatam dificuldade em conseguir empregos nas suas respetivas formações e experiências. Para Augusto Vieira, “a chegada foi muito positiva até começar a busca por emprego e a burocracia no sistema de imigração. Eles fecham o mercado para estrangeiros”, admite o designer.

A necessidade de trabalho os levou para a restauração, em empregos sem contratos, onde os donos de restaurantes se recusavam a oferecer os mínimos direitos. Por fim, ninguém esperava que um vírus pudesse pôr em causa todos os sonhos e expectativas de uma nova vida. Hoje, Ana Souza continua empregada e com vínculo laboral estável, mas Augusto está desempregado há três meses e consegue manter pequenos rendimentos com empregos em freelance para o Brasil. Esta realidade multiplica-se pela cidade, que viu muitos imigrantes sem capacidade financeira para manter o pagamento das rendas de seus apartamentos ou quartos.

Em entrevista ao Jornal O Globo, Luís Carrasquinho, gestor do Programa de Retorno Voluntário Árvore, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), ressalva que a incerteza em relação ao futuro fez com que brasileiros buscassem auxílio para voltar ao país de origem. Entre os 472 estrangeiros, 438 (93%) brasileiros se inscreveram neste primeiro semestre para receber o auxílio financeiro para o regresso ao Brasil.

A pandemia aumentou a vulnerabilidade dos imigrantes, mais expostos à precariedade e ao desemprego. O caso de Roberto Colli – cozinheiro com 16 anos de experiência em restaurantes de Buenos Aires, Recife e São Paulo – foi semelhante. Chegou ao Porto em 2019 com um convite para um novo restaurante que abria na cidade, na Rua Santa Catarina, mas a pandemia abreviou a oportunidade de trabalho quando o restaurante, fechado, não conseguiu manter-se e decretou falência, com a demissão do cozinheiro.

Nos últimos meses, em busca de empregos, as dificuldades financeiras trouxeram a dúvida sobre ficar ou voltar para casa. Neste período, apenas recentemente começou a ter respostas, “mas mesmo assim, ainda é difícil ter novas contratações nos restaurantes”, diz Roberto Colli. Mesmo qualificado para a área, relata a xenofobia que coloca estrangeiros como segunda opção no processo de contratação ou ofertas de valores muito abaixo da média da profissão – que já é considerado baixo.

Lucas Batista, dono da Odete Bakery, passou os últimos três meses em contenção de custos. Foto: Laís França

A esperança na coletividade

A espera por melhores momentos é equilibrada pela rede de solidariedade entre amigos e desconhecidos, e as doações e trocas permitiram o despertar de novos processos colaborativos. Como exemplo, a Rede Popular de Apoio Mútuo do Porto funcionou durante quase três meses, através da auto-organização para responder solidariamente às necessidades básicas diante do contexto pandémico. Esta rede contou com três pontos de receção e distribuição de donativos alimentares e não-alimentares, da qual beneficiaram cerca de 300 pessoas semanalmente.

Quase três meses após o início do processo de desconfinamento, as oportunidades começam a reaparecer. Ainda temerosos de uma crise económica por vir, os empresários locais tentam retornar os investimentos em seus negócios. Lucas Batista, dono da Odete Bakery, no Bonfim, precisou adaptar-se às dificuldades e passou os últimos três meses em contenção de custos e atividades reduzidas. A adaptação ao plano de negócios inicial permitiu a manutenção da padaria, mas desestruturaram as ideias iniciais. “A esta altura, em julho, já era para ter três funcionários, e vendendo três vezes mais do que atualmente”, explica Lucas Batista.

Após perceber que não haveria assistência para o seu negócio por parte do governo, a balança do otimismo varia com as notícias diárias. Apesar de o mês de junho demonstrar sinais de retomada, o início do verão ainda mantém o medo com o baixo movimento. “O turismo ainda não voltou a ser um terço do que era”, diz. A pandemia ensinou a pensar cada dia como um exercício de paciência e equilíbrio. O atraso neste plano inicial interferiu nos investimentos atuais, mas concretamente ainda não pode definir que iniciativas terá.

Para Lucas, a rede de amigos foi fundamental para enfrentar a crise, seja com as compras semanais, a divulgação nas redes sociais e o apoio para manter o negócio aberto. “Eu sendo sócio e único funcionário, não esqueço o trabalho quando vou para casa. Então tinha amigos que me ajudavam muito com apoio emocional e também em trabalhos esporádicos”. Agora, seguem as ideias de alternativas para cumprir as diretrizes sanitárias e manter a atração do negócio.

O empreendedorismo artesanal também é fomentado nas redes sociais. Roberto Colli utilizou seus conhecimentos e técnicas para produzir geleias artesanais que estão a venda no seu perfil pessoal e em eventos que tem participado no último mês. A rede de amigos produtores e frequentadores de eventos proporcionou oportunidades de cozinhar novamente.

Entre as dificuldades e a insegurança sobre o futuro, ficam as lições da solidariedade e do esforço de imigrantes em busca do sonho que os trouxe ao Porto. Os últimos meses demonstram que o futuro é coletivo e as potencialidades residem nos encontros entre culturas e pessoas, seja no Porto ou qualquer outro lugar.

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