Sociedade
Movimento me too: as mulheres portuguesas dizem “não” ao assédio sexual
O aumento do número de queixas de assédio sexual fez o movimento me too viajar até Portugal. A iniciativa teve origem nos Estados Unidos, em 2006, com Tarana Burke que, após ter ouvido o relato de uma menina que sofria de abuso sexual por um familiar, decidiu partilhar também a sua própria experiência pessoal.
A partilha inicial teve como suporte a plataforma “MySpace” e o movimento passou a designar-se “Me too”. No entanto, com o passar dos anos, a criação da #metoo, no Twitter, levou o movimento a tornar-se globalmente conhecido.
Mas, o que pode explicar o atraso da chegada do movimento a Portugal?
O assédio sexual é um problema commumente tido como assunto tabú, não só pela sociedade portuguesa em geral, como pelo próprio governo, e quem o revelou foi a secretária de Estado para Cidadania e Igualdade.
Em entrevista à Visão, Rosa Monteiro afirmou que o assédio sexual “tem sido ao longo dos anos muito desconsiderado e até legitimado, não obstante ter afetado as mulheres e raparigas em algum momento da sua vida, prejudicando as suas perceções de segurança e de pertença no espaço público, seja ele a rua ou as organizações de trabalho”.
É, por isso, no contexto de uma relação de poder laboral que se regista uma maior ocorrência deste tipo de abuso e o alvo principal são as mulheres. Em 2019, Laura Sagnier e Alex Morell coordenaram o estudo: As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e o que sentem, que o comprovou.
Das 2,7 milhões de inquiridas, com idades entre os 18 e os 64 anos, 16% confessou já ter sofrido de assédio sexual no trabalho e 35% – mais de um terço, revelou ter sido vítima de assédio moral. Esta designação comporta atos de perseguição profissional, intimidação, humilhação pessoal e insinuações sexuais ou contacto físico não desejados.
O referido estudo permitiu ainda concluir-se que é na faixa etária dos 28 aos 34 anos que se verifica um maior registo de situações de assédio. No entanto, percebeu-se que o critério da atitude e personalidade é mais relevante, na hora de analisar estes dados. Desta forma, as mulheres mais seguras, tolerantes e liberais (um total de 51%), são as mais afetadas.
O que leva as vítimas a não denunciar os agressores?
O medo e receio de uma possível retaliação, pessoal ou profissional, levam a que um número muito reduzido das vítimas denuncie diretamente o agressor. E aí, a hierarquia laboral manifesta-se, mais uma vez.
Este foi o caso de Diana, nome fictício, que recebia uma perseguição constante, via SMS, em contexto profissional. A vítima revela que o problema abrangia mais colegas, que por medo, não denunciaram o ocorrido.
Por vezes, só a revelação de situações semelhantes por figuras públicas, conhecidas por todos, leva as vítimas a ganhar coragem para confessar as agressões. Esta é a filosofia que lidera o movimento me too – uma comunidade que, através da partilha de experiências pessoais, cria empatia com os restantes membros e lutam pela igualdade.
Foi esta perspetiva que fundamentou o reconhecimento da iniciativa, aquando as denúncias ao produtor de Hollywood Harvey Weinstein. Em Portugal está a verificar-se o mesmo. No início deste ano, Sofia Arruda, em entrevista ao Alta Definição, revelou ter sido vítima de assédio, em ambiente laboral. Perante a negação da atriz aos convites que lhe eram feitos, o agressor ameaçou-a – “Nunca mais vais trabalhar aqui”.
A partir deste momento, gerou-se uma onda de empatia e a leva de denúncias que têm sido feitas, nos últimos meses, é superior a qualquer outra antes ocorrida, em Portugal. Assim, a Inspeção-Geral das Finanças recebeu, nos últimos quatro meses, 28 participações de assédio sexual e moral, tendo sido 7 arquivadas, 4 devolvidas, 8 encontram-se em apreciação e 9 em instrução. Perante este registo, o Governo pede “uma cultura de intolerância total a qualquer forma de assédio sexual”. Embora já exista um guia para a propagação da intolerância perante este abuso, da autoria da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, pretende-se criar imposições mais fortes. As regras serão de cariz internacional e pretendem que se desenvolva uma “ferramenta de avaliação de risco” pelas entidades patronais, em relação ao assédio.
O silêncio marcou todo o percurso da História, no que respeita à denúncia deste tipo de abuso. Começam agora a dar-se pequenos passos no sentido da igualdade, mas há ainda um longo caminho a percorrer.
Escrito por Adriana Castro. Revisão por Beatriz Oliv.