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Bielorússia: A última ditadura da Europa

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Créditos: Inês Aires

Contexto histórico e conflitos eleitorais

Outrora reconhecido como “República Socialista Soviética Bielorussa”, o membro fundador da União Soviética, atual Bielorússia, fundaria, em conjunto com uma panóplia de países europeus, a Organização das Nações Unidas. Ainda que o objetivo do grupo passe por zelar pela segurança e pela paz mundial, hoje, o país em nota é apontado na agenda internacional como um opositor desse mesmo propósito. Alexander Lukashenko, popularmente conhecido como o último ditador da europa, tem presidido a Bielorússia desde 1994, sendo o primeiro e único presidente da nação desde que esta adquiriu independência, em 1991. As suas constantes reeleições, que contam com mais de 80% dos votos, decorrem de  adendas constitucionais promulgadas pelo próprio governador, que se processam em linha com um conjunto de ações de carácter dúbio face às próprias condições em que sucedem, despertando, assim, consecutivas dúvidas face à sua autenticidade e constantes críticas, que reconhecem, para além da sua essência fraudulenta, consequências ainda mais gravosas para o país, nomeadamente ao nível das graves ofensas aos direitos humanos inerentes ao processo. Aqueles que ousam levantá-las, contudo, fragmentando a solidez da última ditadura da europa, seja por via da opinião pública, da oposição política ou da ação humanitária, enfrentam destinos taciturnos e controversos. O líder tem contado, ao longo da sua trajetória política, com o apoio constante de Vladimir Putin, atual presidente da Rússia.

Alexander Lukashenko tem governado a Bielorússia ao longo das últimas três décadas, tendo sido acusado de perseguir os seus opositores políticos, cujos destinos têm sido traçados por via da tortura, da prisão e até mesmo da própria morte. Vitaly Shishov, Vitold Ashurok, Oleg Behbenin, Dimitry Bondarenko, Yuri Zakharenko, Viktor Gonchar e Anatoly Krasovsky são alguns dos nomes que se destacam na suspeita fatalidade que aparentam tomar aqueles que ousam enfrentar o ditador, tendo sucumbido à opressão.  Também os elementos da opinião pública têm sido alvo da opressão política do líder bielorusso, como são caso Pavel Sheremet, Dmytro Zavadsky e Roman Protasevich, tendo, aliás, o último sido aprisionado, em 2021, após o avião em que viajava ter sido intercetado e desviado pelas forças bielorussas. Este ato foi condenado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros português e sancionado pelo Conselho Europeu que “decidiu, em 4 de junho, reforçar as medidas restritivas em vigor tendo em conta a situação na Bielorrússia, impondo uma proibição de sobrevoo do espaço aéreo e de acesso aos aeroportos da UE por transportadoras aéreas bielorrussas de todos os tipos”.

Anais Marin, a investigadora que reporta diretamente às Nações Unidas sobre o desenvolvimento do contexto bielorusso, descreve que “os sistemas não estão a responder de forma adequada, desde a polícia aos tribunais, estão a ser usados como meio de repressão”. O cenário bielorusso apresentaria, em linha com o lastimoso contexto político e opressão ao nível da comunicação social, um estado de desenvolvimento debilitado, com preocupantes consequências resultantes da pandemia potenciada pela disseminação do Sars-Cov-2, descida do valor do rublo bielorrusso e elevado índice de desemprego.

2020, o ano da mudança

Em 2020, ano de eleições presidenciais, a esfera política Bielorussa viria a sofrer importantes transformações. Como havia ocorrido em anos anteriores, os membros da oposição sofreriam, desde cedo, as consequências inerentes ao estado de oposição face ao regime instalado. O bancário Babaryka foi condenado a 14 anos de prisão, tendo sido detido ainda antes da formalização da sua candidatura à presidência do país, tal como Tikhanovskaya, também candidato eleitoral, e Andrei Dmitriev, co-presidente da corrente oponente “Diz a Verdade!”. Ainda, Tsepkalo, terá sido forçado a deixar o país pela sua própria segurança.

Inconformadas com a injustiça e opressão patentes no discurso ação política do regime de Lukashenko e motivadas também por circunstâncias pessoais, Maria Kolesnikova, diretora de campanha de Babaryka, Veronika Tsepkalo e Svetlana Tikhanovskaya, esposas de Tsepkalo e Tikhanovskaya, irrompem pela resistência. Ainda que, inicialmente, tenham sido subestimadas pelo líder bielorusso, a onda de protestos gerada pelo movimento abalou a posição de Lukashenko. Face à crescente intensidade da aderência popular ao emblemático trio feminino, decorreram, em Minsk, momentos de profundo desrespeito aos direitos humanos, com inúmeros testemunhos de violência, tortura, aprisionamento injustificado, em condições deploráveis. Os hospitais da cidade e também a Okrestina, célebre instituição presidia da nação, preencheram-se com as vítimas dos abusos potenciados pela ONION. A 09 de agosto do mesmo ano, Lukashenko foi reeleito para o cargo da presidência, o que despoletou um conjunto de protestos pacíficos por parte dos cidadãos que a reconheceram como fraudulenta. Este movimento por parte da oposição agravou as lamentáveis condições descritas, amplificando-se as detenções e as situações de violência e perseguição política, no sentido de desvirtuar a instabilidade descoberta pelas mulheres. Também Kolesnikova foi detida, na condição de conspiração contra o poder, tendo sido, em setembro de 2021, condenada a 11 anos de prisão pelo feito. Tikhanovskaya e Tsepkalo deixaram, forçosamente, o país, por questões de segurança, prosseguindo o seu ativismo internacionalmente.

Conflitos com a UE e convergência entre crise humanitária e de migração

De entre os milhares de vítimas dos acontecimentos de agosto de 2020, resultam testemunhos consecutivos que chegam com frequência à União Europeia. A 19 de Agosto de 2020 Charles Michel, presidente do conselho europeu, reage aos acontecimentos em nota, condenando as ações do líder bielorusso e concluindo a imposição de “sanções contra um número significativo de pessoas responsáveis pela violência, pela repressão e pela falsificação de resultados eleitorais”, sem deixar de apelar “às autoridades bielorrussas a que encontrem uma forma de sair da crise, pondo fim à violência, desanuviando as tensões e promovendo um diálogo nacional inclusivo”.

A intervenção europeia, contudo, não se refletiu em alterações significativas no comportamento de Lukashenko que, por outro lado, perpetuou os atos que haviam marcado a agenda política do conselho europeu. No decorrer do contínuo desrespeito aos direitos humanos, de que a Bielorússia é alvo, foram adotadas progressivamente sanções económicas sobre a nação, dirigidas a “um total de 183 pessoas e 26 entidades estão agora designadas ao abrigo do regime de sanções contra a Bielorrússia. Entre estes contam-se o presidente bielorrusso, Alexandr Lukashenko, e o seu filho e conselheiro de segurança nacional, Viktor Lukashenko, bem como outras figuras importantes da liderança política e do governo, membros de alto nível do sistema judicial e vários intervenientes económicos proeminentes”, como indica o Conselho Europeu.

Ainda que a violenta repressão da sociedade civil seja um dos motivos pelos quais este conjunto de ações foi sendo lançado, destaca-se também a crise de migrantes gerada na fronteira da Bielorússia, como instrumento de estratégia política de Lukashenko, na justificação das medidas. O líder político, consciente do intenso fluxo de migração oriundo dos países de leste no sentido europeu, em busca da dignidade individual livre de repressão política e hostilidade militar enfrentada em países como a Líbia, Síria, Afeganistão e  Iraque, bem como das estratégias adotadas pelo conselho europeu no sentido de impedir a sua gradação crescente, através do financiamento de países que formem uma barreira no cruzamento de fronteiras, impedindo a entrada de milhares de migrantes, europa, adotou um conjunto de medidas que visam apelar ao movimento da comunidade no sentido da Bielorússia. Ainda que a guarda bielorussa negue o envolvimento na crise de refugiados que tem sido destacada na fronteira entre o país e a Polónia, ações como o aumento dos voos por parte da Belavia, companhia de voo bielorussa, para os cidadãos oriundos de países do oriente em contexto de hostilidade, com destino à bielorússia, em busca de asilo, com a devida garantia de vistos que assegurassem as viagens, difundidas pelas redes sociais estão na base do elevado fluxo migratório verificado. Os migrantes, uma vez chegados à Bielorússia, são encaminhados para a fronteira, onde as autoridades polonesas e lituanas são responsabilizadas pelo seu acolhimento. Inicialmente, a transição entre os países era facilitada pelas mesmas, que encaminhavam os refugiados para instituições específicas, contudo, o elevado fluxo migratório levou a que as fronteiras se fechassem, sendo fortalecidas com arame farpado, tropas militares e a declaração do estado de emergência por parte dos países em referência. Lukashenko afirmou que não impediria o movimento que se gerou, contudo, são os refugiados que padecem com o golpe estratégico do líder bileorruso. Inúmeros indivíduos vêm-se, uma vez mais, encapsulados num ambiente hostil, externo, padecendo face às intempéries e tendo a sua dignidade pessoal colocada em causa e os seus direitos humanos esquecidos, quer pelas tropas bielorussas, quer pelos países europeus, que incorrem na desconsideração da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os dirigentes da UE consideraram de elevada gravidade as “contínuas violações dos direitos humanos e instrumentalização dos migrantes”, procurando, por um lado atribuir ajuda humanitária às centenas de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade na fronteira bielorussa, e, por outro, impor, sob a forma de proibição de viagens a elementos destacados, como Lukashenko, bem como do congelamento de bens e suspensão de voos para Minsk,  a fim de atenuar o conflito evidenciado e combater o ataque híbrido impelido pelo regime bielorusso. Foi, neste sentido, que a Bielorússia viu o número de medidas impostas pelo Conselho Europeu aumentar exponencialmente, tendo sido já, em dezembro de 2021, adotado o 5º pacote de sanções.

As organizações humanitárias e o futuro da Bielorússia

Desde o despoletar dos conflitos políticos internos que as organizações sociais com vista à resposta humanitária têm sido alvo de perseguição. O ativismo tem sido central no auxílio aos inúmeros presos políticos vítimas do autoritarismo de Lukashenko, sendo também alvo das suas ações. Em Julho de 2021 deu-se início, no país, à liquidação de cerca de uma centena de organizações cívicas, grupos organizados no sentido da garantia dos diretos humanos e organizações não governamentais, como indica o comunicado do eypbelarus, o parlamento europeu jovem da nação que cessou, entretanto, atividade, em virtude da criminalização da atividade das instituições indicadas. Foi em dezembro do mesmo ano que se deu início ao processo, com a discussão face à criminalização da atividade nas organizações enunciadas, a qual foi submetida ao código criminal em janeiro de 2022, tendo entrado em vigor no passado dia 21. O presidente indica que este ato de ilegalização de ONGs, evidenciado internacionalmente como opressor, é, na sua essência, um ato de “limpeza” e punição face aos “traidores” que “agem contra o Estado”, referindo-se aos mesmos com solidas convicções, como é possível destacar pela agência BELTA: “não há perdão para os traidores. Aqueles que tentaram virar o país (…) não terão perdão. Encontramo-los às dezenas e centenas. Ilegalizamos todas as organizações financiadas desde o exterior e que preparavam uma rebelião e um golpe de Estado”. Os inúmeros indivíduos que compõem as organizações golpeadas pelo regime de Lukashenko têm revelado sentir-se ameaçados face à sua integridade física, tendo já vários deixado o país e encontrando-se já casos de ofensa à vida humana que se especula estarem ligadas ao mesmo, como acontece com Vitali Chychov, presidente da organização humanitária “Casa da Bielorússia na Ucrânia”, cujo falecimento, em agosto de 2021, está já a ser investigado pelas autoridades ucranianas, uma preocupação também  defendida pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

Neste momento de instabilidade, a Bielorússia encontra em Moscovo um forte aliado. A tensão evidente entre a nação presidida por Vladimir Putin e a Ucrânia, com perspetivas de hostilidade militar, tem sido compreendida também em linha com a relação de suporte que se evidencia entre Lukashenko e Putin. Encontram-se já tropas russas na fronteira entre a Bielorússia e a Ucrânia e o líder bielorusso anunciou já, participar no confronto. Neste sentido, é fortalecida a relação entre as nações e considera-se dúbio o desfecho do país, que se apresenta não só dependente do conflito com a União Europeia, mas também enquadrado no conflito entre a Ucrânia e a Rússia.

 

Escrito por Carina de Nunes Seabra.

Revisão por Beatriz Oliveira.

Ilustração por Inês Aires.

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