Sociedade
GUERRA NA UCRÂNIA: ATUALIZAÇÕES DO CONFLITO
Atualização do conflito – 27 de fevereiro a 1 de março:
A continuação do avanço russo sobre cidades ucranianas materializou-se logo no passado dia 27 de fevereiro, após o anuncio da entrada de tropas e veículos russos na cidade de Kharkiv e a tomada da cidade de Nova Kakhovka, no sul do país, onde a campanha russa demonstra ser mais eficaz. A constante pressão exercida sobre as cidades de Kherson, Mykolaiv e Melitopol surge na tentativa de estabelecer o controlo e a ligação entre a Crimeia e as regiões separatistas, juntamente com a expulsão definitiva das forças ucranianas do acesso ao Mar Negro. Nesta terça-feira, o autarca local da cidade de Kherson comunicou a chegada de tropas russas à entrada da cidade. Também hoje, o líder separatista de Donetsk, no leste da Ucrânia, afirmou pretender cercar o porto ucraniano de Mariupol, entretanto sob constante bombardeamento.
No norte, os bombardeamentos continuaram em larga escala na cidade de Kiev e Kharkiv, as 2 cidades mais importantes do país, juntamente com a entrada de tropas e blindados. Em Kharkiv, lutas intensas foram registadas no centro da cidade, após as quais as autoridades ucranianas comunicaram a vitória e retomada do controlo da cidade. São nestas duas frentes que as forças ucranianas oferecem maior resistência à ofensiva russa, que não tem registado grandes avanços no terreno, recorrendo ao bombardeamento de infraestruturas e das posições ucranianas principais. Fontes ucranianas e internacionais comunicam inclusivamente vários alvos civis atingidos por estes bombardeamentos ao longo dos últimos dias, como áreas residenciais, escolas e hospitais. O uso de munição de fragmentação nos bombardeamentos foi também denunciado, representando um maior perigo para os civis localizados nas áreas bombardeadas.
More Russian MLRS fire on Kharkiv.https://t.co/sjP78D6pxl pic.twitter.com/65ZXK3FBoY
— Rob Lee (@RALee85) February 28, 2022
O desgaste do conflito é visível em ambos os lados. Nas ruas das grandes cidades, o exército e a resistência ucraniana continuam a resistir à ofensiva das tropas russas, aguentando o controlo das principais cidades do país, algo que a Rússia ainda não conseguiu estabelecer. Contudo, a perda de territórios no Sul do país é cada vez mais notória e preocupante para a estratégia de guerra ucraniana, onde se localizam os avanços russos mais significantes.
Vários relatos e conteúdos partilhados online demonstram o que parecem ser sérias fragilidades na logística de guerra russa, com veículos e equipamento abandonados nas ruas da Ucrânia, sem combustível ou munição. Numa posição de ataque, a logística revela ser fundamental para o funcionamento das tropas russas, porém, os problemas indicados sobre a mesma não indicam necessariamente uma perda total da operação em curso. Nos últimos dias, o abrandamento das tropas russas revela o que pode ser identificado como uma “pausa operacional”, que oferece tempo de preparação para uma futura fase de ataque, durante o qual as forças russas podem ter identificado e resolvido todo o tipo de problemas operacionais.
Recentemente, imagens de satélite partilhadas pela empresa norte-americana Maxar Technologies localizaram uma vasta coluna de tropas e de equipamento de combate russo com 64 quilómetros de comprimento, e a cerca de 25 quilómetros do centro da cidade. Adicionalmente, as mesmas fotografias mostram forças terrestres e unidades de helicópteros militares no sul da Bielorrússia, país que tem vindo a cooperar com a ofensiva de Moscovo. Após 5 dias de ofensiva, teme-se agora um avanço esmagador e decisivo sobre a cidade de Kiev, com o reforço adicional de tropas e equipamento localizado próximo da capital.
Entretanto, o parlamento ucraniano confirmou a entrada de tropas bielorrussas através da região de Chernihiv, no Norte da Ucrânia, o que denuncia a participação ativa do país no conflito que até agora tinha somente apoiado a logística e a presença militar russa no seu território. A Bielorrússia renunciou no passado domingo ao estatuto de Estado não nuclear, através da aprovação de um referendo que possibilita o posicionamento de armas nucleares russas no seu país.
O receio do uso de armamento nuclear aumentou após Vladimir Putin ordenar a colocação das forças nucleares de dissuasão do seu país em alerta máximo, segundo o mesmo, devido às “declarações agressivas” do Ocidente e da NATO. “Os países ocidentais não estão apenas a tomar ações económicas hostis contra o nosso país, mas os líderes dos principais países NATO estão a prestar declarações agressivas sobre nosso país. Então, ordeno que as forças de dissuasão da Rússia passem a um regime especial de dever”, declarou Putin.
As negociações entre a delegação russa e ucraniana realizadas na Bielórrusia terminaram ontem, com ambas as partes concordando numa nova ronda negocial. Com alguma antecedência, a presidência ucraniana já havia comunicado antes da reunião pretender um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas, algo que não chegou a ser alcançado. As exigências russas debruçam-se sobre o reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia, a “desmilitarização e a desnazificação” do Estado ucraniano, e um estatuto neutro para a Ucrânia. Ainda hoje, Zelenskii disse que será necessário o fim dos bombardeamentos russos a alvos ucranianos para que se possam realmente realizar conversações significativas sobre um cessar-fogo.
Reação Internacional
Com cada dia que passa, a comunidade internacional e europeia quebram barreiras históricas nas medidas aplicadas, numa altura em que o mundo parece-se unir progressivamente na luta contra as ordens e interesses do Kremlin, cada vez mais isolado. A reunião extraordinária da Organização das Nações Unidas (ONU), a primeira desde 1982, durante a guerra no Líbano, ficou marcada pela decisão do envio de armas por parte da Finlândia e da comparticipação da Suíça a todas as sanções que o bloco europeu decretar a pessoas e empresas russas, juntamente com o congelamento de bens.
Os pacotes de sanções aprovados em conjunto pela comunidade europeia, os EUA e o Reino Unido já demonstraram o seu efeito na economia russa, que na passada segunda-feira mostrou sinais de queda da divisa e escalada da inflação. O bloqueio de cesso de parte dos bancos russos ao sistema de mensagens para transações internacionais Swift e o congelamento das reservas de divisas estrangeiras detidas pelo banco central russo na Europa e nos Estados Unidos refletiram-se na quebra de confiança dos mercados no sistema financeiro russo. A desvalorização do rublo atingiu uma queda que superou os 30% face ao valor do dólar. Como consequência, o banco central russo anunciou um aumento drástico das suas taxas de juro de referência de 9,5% para 20% e obrigou as principais empresas exportadoras russas a trocarem 80% das suas receitas em divisas estrangeiras por rublos, na tentativa de reverter parte das perdas do rublo face ao dólar, limitar a subida da inflação e tentar contrariar a queda da divisa nos mercados internacionais.
O Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenskii, assinou um pedido formal para a adesão do país ao bloco europeu, independentemente da complexidade e lentidão que envolve um processo de adesão. “Isso é uma coisa que não está na ordem do dia, acredite. Temos de trabalhar em coisas mais práticas. Em qualquer caso, a adesão é algo que levará muitos anos, e o que temos que dar à Ucrânia é uma resposta para as próximas horas. Não para os próximos anos, mas para as próximas horas”, repetiu o Alto Representante para a Política Externa e de Segurança da UE, Josep Borrell. Espera-se agora pela chegada da carta assinada de Zelenskii ao Conselho de Assuntos Gerais da UE, que irá prosseguir com a avaliação dos critérios necessários que possibilitam a candidatura oficial e adesão do país.
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, garantiu que os chefes de Estado e governo da União Europeia não vão “escapar às suas responsabilidades”, mas alertou que a avaliação em questão não vai acontecer nos próximos dias. “Temos de acabar a guerra antes de falarmos nos próximos passos”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na sessão plenária extraordinária do Parlamento Europeu.
Após aprovar uma resolução a condenar “com a maior firmeza e veemência” a ofensiva russa à Ucrânia, o Parlamento Europeu exige que a Rússia “ponha imediatamente termo a todas as acções militares na Ucrânia; retire incondicionalmente todas as forças militares e paramilitares, assim como o equipamento militar, de todo o território internacionalmente reconhecido da Ucrânia; e respeite plenamente a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”, lê-se no segundo ponto da resolução.
Acrescenta-se à preocupação da guerra a crise humanitária consequente do conflito. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Filippo Grandi, alertou hoje para a vaga de mais de 660 mil refugiados ucranianos e para a tendência do aumento destes números nos próximos dias. “Temos agora mais de 660 mil refugiados que fugiram da Ucrânia para países vizinhos nos últimos seis dias”, referiu a porta-voz do ACNUR, Shabia Mantoo. A ONU também contabilizou números da mesma ordem, com meio milhão de ucranianos atualmente fora do país, localizados nos países vizinhos. A Polónia conta atualmente com mais de 300 mil refugidos, sendo assim o país com o maior numero de pessoas abrigadas. A Hungria, Moldávia, Roménia e Eslováquia integram também a lista de países de acolhimento.
More than 500,000 refugees have now fled from Ukraine into neighbouring countries.
UNHCR is working with partners and local authorities to provide humanitarian aid and support those in need. pic.twitter.com/sgo0uKYgsO
— UNHCR, the UN Refugee Agency (@Refugees) February 28, 2022
Entretanto, a ONU lançou um apelo ao financiamiento internacional para fins humanitários, estabelecendo uma meta de 1,7 mil milhões de dólares. Desse valor definido, 1,1 mil milhões de dólares serviram para o apoio localizadas no próprio país, com o resto sendo distribuído aos países na região a acolher os requerentes de asilo.
“Embora tenhamos visto uma tremenda solidariedade e hospitalidade dos países vizinhos no acolhimento de refugiados (…) será necessário muito mais apoio para ajudar e proteger os recém-chegados”, declarou Filippo Grandi.
O Governo português aprovou um procedimento simplificado para apoiar e facilitar o acolhimento de refugiados ucranianos em Portugal, durante o Conselho de Ministros extraordinário desta manhã. Os refugiados terão acesso “aos serviços de saúde, à Segurança Social e acesso ao emprego. Haverá também uma linha de ligação com o IEFP além das questões relacionadas com educação”, explicou a ministra da Administração Interna, Francisca Van Dunem. A Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, complementou que a “obtenção dos números de Segurança Social, número fiscal e do Serviço Nacional de Saúde é automática a partir do momento em que entra o pedido de proteção internacional”, optimizando assim a comunicação com os restantes organismos.
Também em Portugal, a mobilização de ajuda humanitária tem sido feita em diversos pontos do país que se comprometem na ajuda à crise na fronteira ucraniana, com associações, organizações e pessoas promovendo iniciativas para a recolha de bens alimentares e materiais. As manifestações de solidariedade com a Ucrânia também tiveram lugar nas ruas das cidades portuguesas no passado fim de semana no Porto, Coimbra e Lisboa.
Escrito por Vicente Oliveira Ribeiro.
Revisão por Beatriz Oliveira.