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Guerra na Ucrânia: Atualizações do conflito – sétima semana

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No quadragésimo nono dia de guerra, os objetivos da ofensiva militar russa debruçam-se sobre a conquista e domínio das regiões do leste e sul da Ucrânia, anteriormente anunciados na “segunda fase” da operação militar do Kremlin.

Após a retirada das tropas russas localizadas em Kiev, espera-se agora pela reconstituição das forças e meios militares necessários para as operações militares anunciadas na região de Donbas, de modo a serem cumpridas as necessidades logísticas russas, avança o Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War – ISW) na sua avaliação diária da guerra na Ucrânia.

Esta relocalização ainda não foi registada, juntamente com a reparação e reconstituição dos meios utilizados na passada ofensiva e cerco à capital ucraniana.

Na cidade de Mariupol, o cerco e avanço russo das últimas semanas resultou num domínio sobre a quase totalidade da área da cidade, com os restantes membros das forças ucranianas sendo divididos e empurrados para o porto de Mariupol e para a planta metalúrgica de Azovstal.

Relatos provenientes de membros do batalhão azov, unidade neonazista pertencente à Guarda Nacional da Ucrânia, denunciam a utilização russa de armas químicas contra as suas posições, através de um alegado drone que sobrevoou a cidade e espalhou as respetivas substâncias venenosas.

O jornal ucraniano Kyiv Independent aponta ainda para sintomas de falta de ar e problemas de coordenação motora nas tropas afetadas, com o líder do batalhão, Andriy Biletsky, informando o caso de três pessoas com sinais claros de envenenamento químico, citado pelo mesmo jornal.

Devido à insuficiência de informação disponível sobre o ponto de situação concreto em Mariupol, a utilização destas substâncias químicas ainda não foi independentemente confirmada.

De acordo com secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, os EUA não conseguiram ainda comprovar a utilização russa de armas químicas, carecendo de informação que suportem tais acusações. O Reino Unido também informou estar a analisar e verificar os detalhes desta utilização, informou a ministra britânica dos Negócios Estrangeiros no Twitter.

Na região de Donbas, onde se encontram os principais objetivos russos, combates urbanos entre as tropas do Kremlin e as forças ucranianas continuam em Donetsk e Luhansk, territórios reivindicados pelos separatistas russos.

Em entrevista à BBC, o governador Pavlo Kyrylenko revelou que “as batalhas continuam todo o dia, todos os dias” em Donetsk, revelando a intensidade de combates registados nas linhas de contacto entre as forças ucranianas e russas, numa altura em que também se contabilizam fortes ataques de artilharia e bombardeamentos.

Em Kharkiv, as forças russas continuam a reagrupar-se e a conciliar as operações ofensivas no eixo de Izyum. Nos últimos dias, os bombardeamentos russos ao redor da cidade provocaram a morte de civis e danos extensivos a infraestruturas, informou o governador da região, Oleg Synegoubov, no Telegram.

Na província de Kherson não foram registados avanços territoriais russos sobre o território ucraniano, registando-se somente um reforço das posições defensivas e o aumento de atividade de reconhecimento aéreo. O mesmo acontece em Melitopol, com a melhoria das defesas anti-aéreas russas.

Crise Humanitária

A situação humanitária decadente registada no território ucraniano e nas suas fronteiras com os seus países vizinhos, que acolhem um número progressivamente elevado de refugiados, tem levantado novos desafios para a população diretamente e indiretamente afetada pelo conflito.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 4,6 milhões de refugiados ucranianos fugiram do país, contabilizando-se adicionalmente mais de 7 milhões de deslocados internos, o que significa que um quarto da população foi forçada a abandonar as suas habitações.

Contudo, regista-se também um aumento de cidadãos que regressam a casa após mais de um mês de conflito, especialmente nas regiões ocidentais do país, onde se regista a maior ausência de conflitos no país. “Atualmente, 25.000 a 30.000 ucranianos estão a regressar, por dia, ao país. Ao contrário dos primeiros dias, quando eram principalmente homens, agora também há mulheres, crianças e idosos”, afirmou, Andrei Demtchenko, porta-voz da guarda fronteiriça ucraniana, citado pela agência France-Presse (AFP).

Desde o incio da invasão militar russa a ONU já contabilizou a morte de pelo menos 1842 civis, juntamente com o ferimento de aproximadamente 2500 pessoas. Dentro destas estatísticas insere-se também a morte de 148 crianças e o ferimento de 233 menores. Devido à dificuldade de acessar a totalidade do número de mortes durante o conflito, a ONU alerta para a probabilidade de o número real de vítimas civis ser muito maior.

A UNICEF alertou para a falta de acesso a comida e água que afeta metade das 3,2 milhões de crianças ucranianas ainda dentro do país, destacando-se aquelas localizadas na cidade de Mariupol e Kherson como mais carenciadas, debruçando-se também sobre a possibilidade de abusos e tráfico humano de crianças nesta fase perturbada de movimentações e fluxos de emigração.

Ao mesmo tempo, a organização não governamental lamenta a destruição ou utilização de escolas e instalações educacionais para fins militares, informando que o encerramento das escolas da Ucrânia está diretamente a afetar a aprendizagem de e 5,7 milhões de crianças em idade escolar e 1,5 milhões de estudantes do ensino superior.

As denúncias de assédio, violações e violência sexual continuam a aumentar, numa altura em que a ONU pede uma “investigação independente” dos relatos de violação e violência sobre as mulheres ucranianas. “Cada vez mais ouvimos falar de violações e violência sexual. Essas alegações devem ser investigadas de forma independente para garantir justiça e responsabilidade. (…) Mulheres jovens e adolescentes desacompanhadas correm um risco particular”, disse Sima Bahous, directora executiva da ONU Mulheres.

Na recente reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação humanitária na Ucrânia, a questão do tráfico humano foi também abordada. “A combinação do deslocamento em massa com a grande presença de recrutas e mercenários, e a brutalidade exibida contra civis ucranianos, levantou todas as bandeiras vermelhas. (…) Mulheres jovens que saíram de casa à noite, famílias separadas, o medo constante do futuro. Este trauma corre o risco de destruir uma geração. Devemos continuar com o nosso apoio”, instou a diretora executiva.

Reação Internacional

Durante um encontro com o presidente da Bielorrússia, Vladimir Putin comentou os objetivos da sua operação militar em curso. “Por um lado, estamos a ajudar e a salvar as pessoas e, por outro, estamos a tomar medidas para garantir a própria segurança da Rússia”, afirmou o presidente russo, “É óbvio que não tínhamos escolha, foi a decisão certa”, referindo-se à ofensiva militar, a qual acredita que os seus objetivos são “perfeitamente claros e são nobres”.

O presidente russo também voltou a desmentir as acusações de execuções do exército russo contra a população da cidade de Bucha, classificando-as como “falsas” e como um meio para prejudicar a imagem da Rússia perante a comunidade internacional, apesar dos crescentes indícios e provas que apontam para a prática de execuções nas ruas da cidade localizada nos arredores de Kiev. Entre estas, encontra-se uma investigação do jornal The New York Times, que analisou conjuntamente imagens de satélite com fotografias e vídeos feitos em Bucha, concluindo que os corpos  encontrados numa das ruas da localidade “estarão na mesma posição há mais de três semanas”.

Relativamente às sanções aprovadas contra a economia e oligarcas russos, Putin desvaloriza as medidas estabelecidas, esclarecendo que será “impossível isolar de forma severa alguém no mundo moderno, sobretudo um país tão vasto como a Rússia”, numa altura em que se espera a maior contração da economica russa desde 1994, registada após o fim das União Soviética, ainda durante o ano de 2022.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, admitiu pela primeira vez que a operação militar russa em curso na ucrânia equivale a um genocídio. “Está a tornar-se cada vez mais claro que Putin está a tentar acabar com a ideia do que é ser ucraniano”, disse o Presidente norte-americano, “Mais provas estão a surgir acerca das coisas horríveis que os russos estão a fazer na Ucrânia”.  Igualmente, o governo dos estados unidos acusou a Rússia de cometer “atrocidades generalizadas”, admitindo possuir “informações credíveis” de que as forças russas podem usar vários gases contra militares ou civis.

Karim Khan, procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), descreveu a Ucrânia como um “cenário de crime”, após uma visita à cidade de Bucha, afirmando que “temos boas razões para acreditar que crimes cujo julgamento é da competência do Tribunal [Penal Internacional] estão a ser cometidos”. Face às constantes denuncias de crimes de guerra cometidos pelas tropas russas desde o início da guerra, o TPI abriu no dia 3 de março uma investigação na Ucrânia. Os cadáveres encontrados nas ruas de bucha com sinais de execução levantaram uma onda de protestos contra as ações das forças russas e a necessidade de uma investigação independente, apoiada por vários líderes europeus e ocidentais.

O Presidente Ucraniano, Volodymyr Zelensky, apelou pelo reforço de envio de armamento pesado num vídeo publicado no Twitter. “Sem armamento adicional, esta guerra tornar-se-á um banho de sangue sem fim, espalhando miséria, sofrimento e destruição. Mariupol, Bucha, Kramatorsk – a lista irá continuar. Ninguém vai parar a Rússia, exceto a Ucrânia com armas pesadas.”, pode-se ler na descrição da publicação. 

Perante a nova fase da ofensiva russa e o foco militar no leste do país, os líderes europeus prometeram o reforço do envio de armas e meios militares a serem utilizados pelas forças ucranianas. Josep Borrell, Alto Representante para a Política Externa e de Segurança da UE, afirmou que, face à garantia de apoio militar, “Neste momento, temos de nos concentrar nos aspetos defensivos. O que conta agora é a ajuda que podemos fazer chegar à Ucrânia”, numa altura em que estima que “A Rússia vai querer fazer esta ofensiva como está a fazer a guerra, como um rolo compressor”.

Também inserido na discussão de apoio militar, os Presidentes da Polónia, Lituânia, Letónia e Estónia estão na capital ucraniana para uma reunião que determinará novos meios de assistência aos civis ucranianos e apoio na investigação de crimes de guerra, declarou o porta-voz do presidente estoniano Alar Karis.

Na passada terça-feira, a ministra dos Negócios Estrangeiros sueca, Ann Linde, comentou as “inaceitáveis” ameaças russas sobre o seu país e à Finlândia numa eventual adesão à NATO.
“É absolutamente inaceitável que a Rússia ameace a Suécia ou a Finlândia de qualquer forma porque são os cidadãos que decidem a sua política de segurança”, afirmou Linde em visita à Bósnia-Herzegovina. A Rússia já havia ameaçado ambos os países nórdicos com severas consequências políticas e militares caso ambos decidissem constituir a aliança militar, algo que a população de ambos os países têm desejado após a invasão russa do território ucraniano, apesar do estatuto de neutralidade mantido após a segunda guerra mundial.

 

 

Escrito por Vicente Oliveira Ribeiro.

Revisão por Beatriz Oliveira.

 

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