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Ciência e Saúde

Pílula masculina apresenta 99% de eficácia em testes in vivo

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Historicamente, e tendo em conta o conhecimento de Claudia Roesch, investigadora no German Historical Institute Washington, o ónus da contraceção sempre foi colocado sobre a mulher, por ser compreendido como um problema que lhe concerne.

Em 1960, o surgimento da pílula feminina durante o período da segunda vaga feminista, teve um papel importante na luta das mulheres pelo controlo dos seus direitos reprodutivos. Até então, a contraceção dependia do homem, com a utilização de preservativo, pelo que este desenvolvimento foi um passo significativo para o movimento feminista.

Com base nesta narrativa, o leque de opções de métodos contracetivos para as mulheres expandiu-se. Segundo o documento Planeamento Familiar – Um Manual Global para Profissionais e Serviços de Saúde, publicado em 2018, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estão catalogados, atualmente, 20 métodos contracetivos, entre os quais somente dois são específicos para os homens.

 A massificação e a maior acessibilidade a métodos contracetivos por parte das mulheres permitiram que estas pudessem tornar-se mais autónomas no plano reprodutivo e familiar, o que se repercutiu também no aumento do grau académico das mulheres, com a sua participação no mercado de trabalho e aumento dos respetivos salários. Ademais, realça-se, ainda, como efeito positivo do fármaco, a prevenção de riscos de saúde para quem engravida, especialmente em idade precoce.

Atualmente, estima-se que o número de mulheres que recorre a métodos contracetivos, nas suas mais diversas formas, ronde os 851 milhões no mundo, de entre as cerca de 2 bilhões de mulheres em idade reprodutiva (entre os 15 e os 40 anos).

 Ainda que se tenda a associar a capacidade reprodutiva às mulheres cisgénero, não se deverá ignorar que esta questão se estende a todas as pessoas que engravidam, sendo pertinente a inclusão de pessoas transgénero e não binárias quando são exploradas estas questões. No entanto, o facto de socialmente o foco se prender, de forma redutora,  sobre as mulheres cis como pessoas que podem engravidar, contribui para a sedimentação da ideia de que estas é que deveriam ser responsáveis pela contraceção, solidificando a desigualdade de género.

No entendimento de Krystale Littlejohn, professora assistente na Universidade do Oregon e autora de “Just Get on the Pill: The Uneven Burden of Reproductive Politics”. “Socializamos as pessoas que podem engravidar, de modo a que estas pensem que é trabalho delas prevenir a gravidez (…) estigmatizá-mo-las, envergonhá-mo-las e não as responsabilizamos na mesma medida que os seus parceiros no que toca a esta prevenção e, especialmente à sua falta”.

Ainda que o mercado da contraceção para os homens também tenha sido explorado e alvo de estudos, nunca foi tão bem recebido, vincado exatamente na construção histórica e social que confere à mulher a responsabilidade unilateral da prevenção.  Efetivamente, estudos quanto à pílula masculina remontam aos anos 70, contudo, dados os inúmeros efeitos secundários envolvendo, entre outros, acne; dores; alterações de humor e; depressão, estes nunca progrediram para estádios promissores.

Por outro lado, a pílula contracetiva feminina que, até hoje, revela efeitos secundários das mais diversas magnitudes, como náuseas; tensões altas; alterações de humor; sangramento vaginal e; até mesmo aumento do risco de trombose, não tem sido vista com a mesma preocupação. É, aliás, pelo facto da gravidez surgir como um risco à saúde de per si, com repercussões por vezes mais gravosas que estes efeitos adversos, que tal é aceite. Perpetua-se a ideia de que cabe a quem engravida ser responsável pela contraceção e com isto, também se mantém presente e flagrante a desigualdade de género.

A ponderação será, portanto, diferente para quem não engravida, exatamente, por não sofrerem dos efeitos que daí advêm. Assim por prevalecer a resistência aos efeitos secundários, elimina-se de imediato a possibilidade de investigação profunda sobre a contraceção masculina.

Além disso, quem não engravida tende a mostrar maior resistência à toma da pílula, exatamente pelas razões elencadas supra, dificultando ainda mais a igualdade, no que diz respeito à responsabilidade neste âmbito. Para Rui Ferriani, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, “os homens não estão preocupados com a gravidez pois o efeito é na mulher” e, além disso, “há uma conotação de que fazer a anticonceção masculina está ligada à virilidade e impotência sexual”.

 Independentemente destas dificuldades, investigações como a que está a decorrer no Minnesota são muito significativas, uma vez que ainda se regista um número elevadíssimo de gravidezes que não são planeadas.

A eficácia da pílula não hormonal que está a ser desenvolvida por estes cientistas alcançou uma taxa percentual de 99%, a mesma que a pílula feminina, nos testes laboratoriais. Tal, quando somado à inexistência de efeitos secundários desencadeados pela sua toma, torna-o um passo rumo à igualdade reprodutiva, que está a ser estudado e investigado há décadas. Dentro de meses, deverão iniciar-se os testes em humanos.

 

Escrito por Beatriz Areal dos Santos.

Revisão por Carina Seabra.