Sociedade
Guerra na Ucrânia: Atualizações do Conflito – 11ª semana
A décima primeira semana de guerra na Ucrânia arrancou com relatos de combates localizados no leste e sul do país. Ao longo da última semana de combate, as forças armadas russas persistiram na tentativa de estabelecer o controlo sobre localidades situadas nas regiões de Donetsk e Lugansk, juntamente com o contínuo bombardeamento sobre a planta metalúrgica de Azovstal e a cidade de Odessa. Por sua vez, as forças ucranianas lançam um conjunto de contraofensivas, notavelmente na cidade de Kharkiv, recapturando territórios perdidos e empurrando progressivamente as tropas russas para regiões mais próximas da fronteira.
Na avaliação diária da guerra na Ucrânia, o Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War – ISW) notou as adversidades registadas pelo exército russo na captura de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia. A dificuldades russas em avançar sobre a cidade deram lugar à contraofensiva ucraniana, incapacitando uma eventual ligação com as tropas russas estabelecidas no sudeste de Izyum e na região de Donetsk e Lugansk.
Os relatos provenientes de fontes ucranianas apontam para a retomada de várias vilas situadas no norte e nordeste da cidade. O avanço ucraniano significa inclusivamente a retirada russa para territórios próximos da fronteira entre ambos os países, redefinindo a dinâmica de um dos principais palcos de guerra ativos e da operação militar russa no país.
Em Mariupol, o continuo recurso a bombardeamentos e ataques de artilharia sobre a planta metalúrgica de Azovstal abalam a resistência ucraniana, constituída maioritariamente por membros do batalhão de Azov, uma unidade neonazi pertencente à Guarda Nacional da Ucrânia. No decorrer da última semana, a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iirina Vereshchuk, anunciou o fim da operação de retirada dos civis abrigados na planta metalúrgica, constituídos por mulheres, idosos e criança, através de um esforço conjunto entre a cruz-vermelha e as Nações Unidas.
Encurralados, os membros do batalhão de azov instam pela retirada de militares feridos. “Apelamos à ONU e à Cruz Vermelha para que mostrem a sua humanidade e reafirmem os princípios básicos, resgatando pessoas feridas que não estão a combater”, escrevem os combatentes no Telegram. Na passada quarta-feira, a vice-primeira ministra também anunciou que o governo ucraniano terá proposto ao Kremlin uma “troca” entre a retirada dos defensores gravemente feridos pela entrega dos prisioneiros de guerra russos, contudo, “ainda não há acordo. As negociações estão em andamento”, esclareceu Iirina Vereshchuk no Facebook.
Na cidade de Odessa, a intensificação dos ataques de misseis russos fragilizam as estruturas da cidade portuária, registando-se uma série de impactos sobre o aeroporto, armazéns, um centro comercial e outras infraestruturas. O porto de Odessa, bloqueado pela presença naval russa desde o início da guerra, representa um importante alvo comercial e estratégico para a economia ucraniana. Impedido de funcionar corretamente e de possibilitar as exportações no mar negro, o fornecimento mundial de produtos alimentares já foi afetado pelo bloqueio naval, especialmente o abastecimento de cereais, produto que a Ucrânia exportava em grandes quantias.
Segundo o ISW, as forças russas registaram alguns avanços através da captura da cidade de Popasna e no cerco às cidades de Severodonetsk, Rubizhne e Lysychansk, todas estas situadas no Oblast de Lugansk. Na cidade de Izium, as operações russas permanecem praticamente paradas. Em Kherson, as tropas russas tentam consolidar as suas posições na região oeste da cidade para um eventual avanço sobre o Oblast de Mykolaiv.
Crise Humanitária
A situação humanitária decadente registada no território ucraniano e nas fronteiras com os seus países vizinhos levanta novos desafios para a população diretamente e indiretamente afetada pelo conflito. O registo do número de mortos e de feridos apresenta claras variações entre as fontes ucranianas e russas, que contabilizam um número conflituoso de civis e militares mortos pelo conflito. Segundo a ONU, a guerra na Ucrânia vitimou mais de 3 mil civis, com a organização alertando para o facto de o número real ser muito maior em comparação com o registado até agora.
No portal do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados dedicado à situação ucraniana (ACNUR), são contabilizados 6,029,705 refugiados que abandonaram o seu país desde o início da invasão russa. O número de deslocados internos no país ultrapassou os 8 milhões, estimando-se também que cerca de 15,7 milhões de pessoas necessitam de apoio e proteção humanitária urgente.
Nesta quinta-feira, a responsável do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Michele Bachelet, discursou em Genebra, perante os membros do Conselho da organização. “Estimamos que o número de mortos civis em Mariupol esteja na casa dos milhares, mas só com o tempo será possível tornar claro a verdadeira escala de atrocidades, vítimas e danos”, afirmou Bachelet.
Segundo a mesma, o Alto Comissariado da ONU “continua a verificar [em toda a Ucrânia] alegações de violações do direito internacional, dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, muitas das quais podem constituir crimes de guerra”. Exemplifica, inclusivamente, o registo de mortos na capital ucraniana, “até ao momento, mais de 1.000 corpos civis foram recuperados apenas na região de Kiev”, entre os quais “algumas dessas pessoas foram mortas nas hostilidades, mas outras parecem ter sido sumariamente executadas”.
As acusações de crimes de guerra lançadas entre ambos os lados desde o início da guerra incidem maioritariamente sobre as práticas russas no tratamento e execução de civis, bombardeamento de áreas residenciais, hospitais e escolas. Sobre esta matéria, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou a abertura de uma investigação às graves violações dos direitos humanos cometidas nas regiões de Kiev, Chernihiv, Kharkiv e Sumy, entre finais de fevereiro e março de 2022, avança a agência de notícias Lusa.
No decorrer de uma reunião do Conselho de Segurança na ONU, a UNICEF alertou para o impacto da guerra na vida das crianças e na sua educação. “A cada dia que passa, mais crianças ucranianas são expostas aos horrores desta guerra. (…) Encontramo-nos aqui novamente depois de outro terrível ataque, desta vez numa escola em Lugansk – mais um exemplo gritante de desrespeito pela vida de civis”, disse Omar Abdi, vice-diretor executivo da UNICEF.
O vice-diretor alertou também para o facto da educação estar “sob ataque”, mencionando a paragem do ano letivo ucraniano e a danificação ou destruição de pelo menos 15 escolas apoiadas pela UNICEF no leste da Ucrânia. Segundo Abdi, centenas de escolas espalhadas pela Ucrânia foram alvo de ataques de artilharia e bombardeamentos, com outras servindo atualmente fins militares, abrigos ou centros de abastecimento, o que dificulta o regresso à prática educativa nestes espaços.
“A guerra na Ucrânia também teve um impacto devastador nas crianças mais vulneráveis a nível global, à medida que os preços mundiais dos alimentos e dos combustíveis atingem máximos históricos. Crianças já afetadas por conflitos e crises climáticas em todo o mundo – do Afeganistão ao Iémen e ao Corno de África – estão agora a pagar um preço mortal por outra guerra longe das suas portas”, acrescentou.
Reação Internacional
Na passada sexta-feira, o Presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou um novo pacote de assistência militar para a Ucrânia no valor de 150 milhões de dólares, que inclui munições de artilharia e radares de contra-artilharia.
Desde o início do conflito que o Presidente norte americano tem-se prontificado na ajuda militar e financeira ao estado ucraniano, anunciando inclusivamente a elaboração de um novo pacote de cerca de 30 mil milhões de euros, entre os quais 18 mil milhões constituídos por ajuda militar, “para fortalecer a Ucrânia quer no campo de batalha quer na mesa de negociações”, que depende ainda da futura aprovação do Congresso, avança o Público.
Na Rússia, o Presidente russo Vladimir Putin discursou nas celebrações do Dia da Vitória, data comemorativa da vitória soviética sobre a Alemanha em 1945. Durante o discurso, Putin estabeleceu várias comparações entre o passado soviético e a atualidade russa, justificando a sua campanha militar no território ucraniano e acusando a comunidade internacional. “Em Kiev estavam a dizer que poderiam obter armas nucleares e a NATO começou a expandir-se para perto de nós e tornou-se uma ameaça óbvia para o nosso país e as nossas fronteiras. Tudo nos estava a indicar que havia uma necessidade de lutar”, declarou o presidente russo.
O Presidente Ucraniano também aproveitou a data comemorativa do Dia da Europa para discursar em vídeo, desta vez situado na avenida Khreshchatyk em Kiev. “No dia da vitória sobre o nazismo, estamos a combater por uma nova vitória. O caminho até lá é difícil, mas não temos dúvidas de que iremos ganhar”, disse Zelensky, que também acusou a Rússia de cometer “os crimes horrorosos do regime de Hitler”.
Nos últimos dias, a Europa assistiu ao encerramento de vários gasodutos que realizam a distribuição do gás natural russo pelo continente.
Após interromper o fluxo de uma importante rota de exportação, o governo ucraniano provocou a redução de um quarto da sua distribuição de gás natural ao território europeu, culpabilizando a interferência das forças russa na Ucrânia. Nesta quinta-feira, foi a vez da Gazprom anunciar que irá cessar a utilização do gasoduto Yamal-Europe, que estabelece ligação à Alemanha, como retaliação às sanções estabelecidas pelo Ocidente à economia russa.
Apesar das sanções e das medidas que visam aumentar a autonomia energética europeia, os mercados consumidores europeus continuam a registar uma forte dependência do fornecimento russo.
Contudo, esta dependência não desmotivou as ambições energéticas estabelecidas pela União Europeia, com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentando na semana passada o sexto pacote de sanções contra a Rússia, que visa “banir todo o petróleo russo até ao fim do ano”, de “forma ordeira e planeada”. O pacote foi barrado pela Hungria, que condicionou o seu apoio consoante novas ajudas financeiras por parte de Bruxelas, uma vez que o governo do país não vê “nenhuma proposta [da União Europeia] que permita gerir as consequências do embargo na economia húngara”.
A adesão da Finlândia à NATO representa outro grande debate entre os membros da aliança militar e a Rússia, que condena a entrada do país nórdico com qual estabelece uma fronteira de 1300 quilómetros.
O Presidente e a primeira-ministra da Finlândia anunciaram a sua posição favorável ao pedido de adesão “sem demoras” à NATO. “A adesão à NATO vai fortalecer a segurança da Finlândia. Enquanto membro da NATO, a Finlândia vai reforçar toda a aliança de defesa. A Finlândia deve candidatar-se sem demoras à NATO. Esperamos que os passos nacionais que ainda são necessários para que esta decisão seja tomada sejam dados rapidamente durante os próximos dias”, instam ambos os líderes políticos em comunicado no site da presidência.
A Rússia já demonstrou o seu descontentamento face à expansão da aliança militar, levantando a possibilidade de um “conflito direto e aberto” entre a Rússia e a NATO, não descartando uma escalada nuclear. Ao mesmo tempo, espera-se que Moscovo encerre o fornecimento de gás natural ao território finlandês, avança a Reuters.
“A adesão da Finlândia à NATO vai criar sérios danos às relações bilaterais russo-finlandesas e à manutenção da estabilidade e da segurança da região da Europa do Norte”, declarou o Ministério da Defesa da Federação Russa em comunicado, citado pela agência noticiosa russa RIA Novosti.
Escrito por Vicente Oliveira Ribeiro.
Revisão por Beatriz Oliveira.