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Tiananmen: 33 anos de um massacre que a China quer apagar da história

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O Massacre de Tiananmen. Créditos: Manny CENETA / AFP

Como é que tudo começou?

Hu Yaobang (1915-1989). Créditos: Xinhua

Os protestos pró-democráticos começaram em abril de 1989. Com a morte de Hu Yaobang, secretário-geral do Partido Comunista Chinês, cerca de milhares de estudantes da Universidade de Pequim saíram às ruas para as demonstrações públicas de homenagem e luto ao político. O acontecimento deveu-se à extrema importância desta figura política  para a luta pela democracia, através das suas medidas reformistas de foro económico, social e político. Hu queria uma China transparente, defendendo, assim,  a autonomia do Tibete, a reaproximação da China com o Japão e promovendo a reabilitação daqueles que foram perseguidos durante a Revolução Cultural, entre 1966 e 1976. Hu era uma figura com elevada capacidade de influenciar e os seus ideais apresentavam-se como um perigo para a política chinesa. Em 1987, o político foi expulso do governo por Deng Xiaoping, antigo líder supremo da República Popular da China, o que causou uma grande onda de descontentamento entre os intelectuais estudantis.

Em abril do mesmo ano, o político morre de ataque cardíaco. Inicialmente, os media chineses pouco falaram da sua morte, o que enfureceu os pró-democratas e ativistas chineses. O próprio governo não pretendia dar um funeral estatal ao político, mas acabou por fazê-lo quando os estudantes marcharam na Praça de Tiananmen também conhecida como a Praça da Paz Celestial. O dia do seu funeral foi o pretexto ideal para os estudantes se revoltarem sem medo de repercussões. Muitos dos jovens fizeram greves de fome em forma de protesto, que duraram mais de três semanas. As manifestações populares foram pacíficas até que as divisões 27 e 28 do Exército de Libertação Popular Chinês avançaram para dispersar os manifestantes.

O massacre de 4 de junho de 1989

O exército entrou na Praça da Paz Celestial com filas de tanques, começando por  dispersar os manifestantes com gás lacrimogéneo. Numa fase inicial, os militares foram ordenados a não disparar sobre os que protestavam, contudo, os últimos opuseram-se à estratégia militar e deram início à formação de  barricadas, atirando pedras ao exército. As primeiras baixas foram soldados chineses. Em virtude destes acontecimentos, o  Exército de Libertação Popular retornou à Praça com armas de fogo, agredindo, esfaqueando e baleando os jovens estudantes. O caos estava instalado.

Em poucas horas, a praça encheu-se de pais desesperados à procura dos filhos. Médicos e ambulâncias começaram a chegar ao local para prestar auxílio e alguns acabaram por ser assassinados a sangue frio. Inesperadamente, no dia 5 de junho, já com uma forte presença jornalística estrangeira no local, Charlie Cole, da Associated Press, juntamente com mais quatro fotojornalistas, fotografa o acontecimento que eternizou o massacre: o rebelde desconhecido que ficou em frente a uma linha de 4 tanques.

“The Unknown Rebel”, de Charlie Cole. Créditos: Associated Press.

Um homem vestido com uma camisola branca e calças pretas colocou-se em frente a tanques do exército. Carregava um saco de compras e mesmo quando um tanque tentou contorná-lo, ele voltou a meter-se à sua frente. Os que assistiam previam o pior, que o homem fosse atropelado. No entanto, ele subiu para cima do tanque e gritou “Porque é que estão aqui? Vocês só causaram miséria!”. Depois deste ato heroico, não se sabe o que aconteceu àquele que ficou conhecido como o rebelde desconhecido. Muitos acreditam que ele tenha sido fuzilado dias depois, outros defendem que está exilado numa zona rural da China, mas o seu paradeiro continua desconhecido. Devido ao seu feito, a  revista Time considerou-o uma das cem pessoas mais influentes do século XX.

33 anos depois: o que sobra de Tiananmen

O governo chinês tem feito inúmeros esforços ao longo dos anos para apagar da memória coletiva um dos massacres mais impactantes da história. Algumas obras e símbolos do massacre têm sido censurados, mas outros ainda prevalecem. Os ativistas procuram manter a mensagem de forma subtil e longe dos olhares atentos da censura chinesa, mas já são muitos os jovens chineses que desconhecem o que realmente aconteceu na Praça de Tiananmen. A Human Rights Watch (HRW) falou no dia 2 de junho acerca dos 33 anos do massacre.

O governo chinês deve reconhecer e assumir responsabilidades pela execução em massa de manifestantes pró-democracia” – Human Rights Watch, em comunicado.

A estátua erguida na Universidade de Hong Kong em 1997, “Pillar of Shame” (O Pilar da Vergonha), foi removida em dezembro de 2021. Num tweet publicado no final do ano passado, o autor dinamarquês da obra, Jens Galshchiot, expressou a sua indignação: “O Pilar da Vergonha está a ser demolido agora em Hong Kong. A escultura foi coberta e está fortemente guardada para que nenhum aluno possa documentar o que está a acontecer. Isto está a acontecer no meio da noite em Hong Kong. Estou chocado”.

A Deusa da Democracia, estátua de bronze erguida na Universidade Chinesa de Hong Kong, também foi removida na véspera de Natal do ano passado. Na mesma altura, um mural em homenagem ao Homem do Tanque foi retirado da Universidade de Lingnan, também localizada em Hong Kong. Estas duas esculturas foram das últimas obras em homenagem à resistência estudantil a serem retiradas. Nesse mês, decorreram nas universidades vários protestos estudantis.

Hong Kong era o único lugar onde ainda eram permitidas vigilas, em junho, em homenagem às vítimas do massacre uma vez que o estatuto de região semiautónoma assim o permitia. Pela segunda vez em 33 anos, isto não vai acontecer. Em 2020, a China impôs uma lei de segurança onde todas as manifestações públicas pró-democráticas estavam proibidas assim como vigílias à luz das velas. Alguns cidadãos foram revistados nas ruas. Quem desrespeitar as proibições do governo, pode ser punido com até cinco anos de prisão. Em sinal de homenagem, a Amnistia Internacional organizou várias vigílias ao redor do mundo. Hana Young, Diretora Regional da Amnistia Internacional da Ásia Oriental, garantiu que o massacre não iria ser esquecido.

“Os esforços do governo chinês para apagar a memória da repressão de Tiananmen da história estenderam-se a Hong Kong desde que a lei de segurança nacional foi promulgada na cidade, em 2020. Mas, as atrocidades de 4 de junho de 1989, nunca deverão ser esquecidas” – Hana Young.

Apesar de na China ser proibido falar sobre o incidente de Tiananmen, Hong Kong ensinou nas suas escolas, até 2020, o que aconteceu. Em poucos meses, os símbolos de um acontecimento marcante foram rapidamente apagados. Especula-se que, em poucos anos, poucos serão os cidadãos chineses que saberão o que realmente aconteceu no sangrento dia 4 de junho de 1989.

 

Escrito por Sofia Guimarães.

Revisão por Carina Seabra.

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