Sociedade
Guerra na Ucrânia: Atualizações – 4º mês
Após várias semanas de combate, as forças russas conseguiram avançar e ocupar na totalidade a cidade de Severdonetsk. A batalha marcada pela superioridade numérica russa e ataques de artilharia em larga escala sobre as posições ucranianas culminou na destruição das infraestruturas da cidade e de todas as suas pontes, isolando a sua população residente e as tropas ucranianas que nela combatiam.
O governador de Lugansk, Sergue Gaiday, que já havia previamente descrito os combates na cidade como um “inferno”, comunicou que as forças ucranianas receberam ordens para abandonarem as suas posições na cidade. “As forças armadas ucranianas terão de retirar de Severodonetsk, já receberam essa ordem”, declarou o governador.
Agora, as forças russas tentam capturar a cidade próxima de Lysychansk, ainda sobre o controlo ucraniano. Os relatos mais recentes apontam para confrontos diretos no sul da cidade, acompanhados pelos recorrentes ataques de artilharia russos.
Face às circunstâncias atuais no campo de batalha, o Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War – ISW) aponta para a possibilidade de um recuo tático ucraniano para territórios próximos, porém, exteriores às frentes de batalhas atuais, capacitando as forças ucranianas de uma maior capacidade defensiva capaz de cessar o avanço russo na região.
Simultaneamente, o instituto destaca a necessidade de o comando russo conciliar as tropas utilizadas na batalha de Severdonetsk nos restantes movimentos da campanha militar na região, nomeadamente a norte de Lysychansk, algo dificultado não só pelas baixas russas (humanas e materiais), mas também pela prévia destruição das linhas de comunicação da cidade.
Na cidade de Izium, relatos provenientes de fontes ucranianas apontam para confrontos diretos entre as tropas ucranianas e russas, com estas últimas tentando suprimir as contraofensivas ucranianas na região. Já em Kharkiv, as tropas russas continuam a bombardear as posições ucranianas nesta cidade que se destaca pela sua proximidade à fronteira russa. Segundo o ISW, os recentes movimentos militares russos na região surgem na tentativa de evitar a proximidade ucraniana dessa mesma fronteira, contudo, tal como em Izium, não foram registados avanços consideráveis entre ambos os lados.
Na região de Kherson, as contraofensivas ucranianas tentam retomar o controlo de localidades situadas a norte da cidade, capturadas pelo exército russo ainda na primeira fase da guerra.
Crise Humanitária
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), desde o início da guerra no dia 24 de fevereiro foram contabilizadas 4.662 mortes entre a população ucraniana, enquanto 5.803 pessoas ficaram feridas. Os dados publicados no portal do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indicam que a guerra na Ucrânia provocou até agora 5.387.366 refugiados, com os países vizinhos acolhendo um número crescente de pessoas em fuga do país. Simultaneamente, o número de deslocados internos no país também tem vindo a aumentar, estimando-se cerca de 7.1 milhões de pessoas nesta condição.
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) alertou na passada quarta-feira para a “falta de cuidado em diferenciar e proteger civis” durante o conflito no território ucraniano. “Como em todos os conflitos, a MSF pede a todos os grupos armados que respeitem o direito humanitário e cumpram as suas obrigações de proteger civis e infraestruturas, permitindo que as pessoas fujam para zonas seguras e que doentes e feridos sejam retirados”, referiu Bertrand Draguez, presidente da organização.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas alertou para a situação humanitária “extremamente alarmante” na Ucrânia, particularmente no Donbass, região onde o acesso à água, alimentos e eletricidade é dificultada pelos combates e bombardeamentos intensos. “Em todo o país, áreas residenciais e infraestrutura civil continuam a ser afetadas, resultando em mais civis mortos e feridos”, sublinhou a agência da ONU.
A guerra na Ucrânia também está a afetar a distribuição mundial de alimentos, nomeadamente dos cereais, como consequência do bloqueio naval russo aos portos ucranianos de Odessa e Mariupol. Países do continente africano e asiático, anteriormente afetados por conflitos locais e pelo impacto da pandemia nas suas economias vêm-se agora afetados pela guerra no leste europeu com as graves falhas geradas nos seus principais mercados abastecedores.
A crise alimentar afeta principalmente as faixas etárias mais vulneráveis, como é o caso das crianças. Segundo a UNICEF, “Por causa da crise de fome global, a cada minuto uma criança é empurrada para uma situação de malnutrição severa que ameaça a sua vida”. A agência pertencente à ONU já fez um apelo de 1,2 milhões de dólares para “suprir as necessidades urgentes de oito milhões de crianças em risco de morte por emaciação severa em 15 países, na maioria africanos”, avança a agência de notícias Lusa.
Reação Internacional
Após o impasse sobre a adesão da Finlândia e da Suécia à NATO, a Turquia aceitou na passada terça-feira a entrada dos dois países nórdicos na aliança militar. “Temos um acordo com a Turquia que abre a porta à adesão da Suécia e da Finlândia à NATO”, anunciou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, após uma reunião entre os ministros dos negócios estrangeiros dos respetivos países que se comprometeram a “aprofundar a sua cooperação em contraterrorismo, com a Finlândia e a Suécia como aliados da NATO empenhados em apoiar plenamente a luta da Turquia contra as ameaças à sua segurança nacional”.
A cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte arrancou na passada terça-feira, em Madrid, na qual participam os 30 chefes de estado e o próprio governo da aliança, juntamente com os parceiros na região da Ásia-Pacífico e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Jens Stoltenberg enfatizou a importância da reunião pela incorporação de um novo Conceito Estratégico da aliança, que segundo o mesmo, representa “uma mudança fundamental em termos da postura de dissuasão e defesa”. Segundo o secretário-geral, a revisão do Conceito Estratégico irá estabelecer a Rússia como “a maior e mais direta ameaça” à segurança dos estados-membros da NATO, promovendo assim um aumento de “mais de 300 mil” efetivos incorporados nas forças de resposta rápida da aliança. Simultaneamente, Stoltenberg destaca a aprovação de um “pacote de assistência abrangente para a defesa da Ucrânia, que enfrenta neste momento uma brutalidade como já não víamos desde a Segunda Guerra Mundial”.
Igualmente reunidos, os líderes dos G7, os 7 países mais industrializados do mundo, nos quais se inserem os EUA, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão, Reino Unido e a União Europeia comprometeram-se a fornecer o apoio financeiro, humanitário, militar à Ucrânia, enquanto este fosse necessário, explorando as opções viáveis que sustentem as necessidades humanitárias do país e a sua futura reconstrução.
Em relação à crise alimentar mundial, os líderes apelaram ao governo russo que libertasse os cereais bloqueados nos portos ucranianos. “Apelamos urgentemente à Rússia para que cesse incondicionalmente os seus ataques às infraestruturas agrícolas e de transporte e permita a livre passagem de mercadorias agrícolas dos portos da Ucrânia no Mar Negro”, anunciaram os líderes, que de igual modo se comprometeram a fomentar “iniciativas coordenadas que promovam a segurança alimentar global”.
O governo chinês respondeu recentemente à proposta dos G7 de construir uma “Infraestrutura global” capaz de rivalizar a iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda. O porta-voz da embaixada chinesa em Londres comentou que “Já lá vai o tempo em que as decisões globais eram ditadas por um pequeno grupo de países”, estabelecendo a ordem internacional baseada nos princípios das Nações Unidas como o único sistema global válido de acordo com o governo chinês. “Sempre acreditámos que os países, grandes ou pequenos, fortes ou fracos, pobres ou ricos, são iguais e que os assuntos mundiais devem ser tratados através de consultas entre todos os países”, afirmou o porta-voz de Pequim.
A China tem vindo a criticar recorrentemente as posições estabelecidas pelos governos ocidentais consoante as suas matérias políticas, diplomáticas e económicas. Na semana passada, enquanto em conferência com os estados-membros do bloco BRICS, o Presidente chinês Xi Jinping criticou aquilo que considera como um “abuso” de sanções internacionais contra a sua aliada russa, apelando aos países ocidentais pela sua responsabilidade na cooperação de um “sistema internacional verdadeiramente multinacional” baseado nas Nações Unidas. “Temos de abandonar a mentalidade de Guerra Fria e bloquear confrontos e opor-nos a sanções unilaterais – e ao abuso das sanções”, afirmou Xi Jinping.
Por sua vez, o presidente russo Vladimir Putin declarou que “só na base da honestidade e de cooperação com benefícios mútuos é que podemos ver modos de sair da situação de crise que se desenvolveu na economia mundial devido às ações irrefletidas e egoístas de alguns países individuais”, acusando ainda os líderes ocidentais do uso de “mecanismos financeiros” e de quererem destruir a Rússia.
Escrito por Vicente Oliveira Ribeiro
Revisão por Beatriz Oliveira