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17ª Marcha do Orgulho toma conta do Porto

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A Marcha do Orgulho no Porto teve início em 2006, anos depois do primeiro evento do género despoletar em Lisboa. O movimento procurou, desde os primórdios, zelar pela causa LGBTI, por um lado através da celebração da diversa identidade da comunidade e, por outro, consciencializando para o facto de que esta é uma identidade transversal a toda a sociedade, na medida em que o indivíduo deve ter a sua identidade de género, expressão de género e orientação sexual respeitada. O despoletar do movimento na Invicta partiu, contudo, de uma veemente condenação ao assassinato de Gilberta Salce Júnior, brutalmente assassinada pelo preconceito, pela exclusão social e pela transfobia.

João Paulo, finalista de Sociologia pela Universidade do Porto, ativista e co-fundador da primeira marcha do orgulho em Portugal, bem como membro organizador da primeira marcha do orgulho no Porto indicou ao JUP, sobre este facto, o seguinte:

A primeira marcha já estava a ser pensada antes de acontecer. Como já havia a marcha de Lisboa há algum tempo, havia uma vontade, o Porto como “segunda cidade do país” já pensavam que fazia sentido organizar. Em 2006 assassinaram a Gisberta Salce Júnior, mulher trans, sem abrigo, ligada a uma carrada de dependências, doente com várias patologias, imigrante, profissional do sexo… foi um acontecimento monstruoso e grandioso não só para Portugal, mas também para o resto da Europa, porque esta pessoa, enquanto artista, viajou por todo o mundo e era uma pessoa muito conhecida. Se havia uma vontade para fazer a marcha, o assassinato da Gisberta foi o catalisador que a impulsionou”.

Foto: Bárbara Pedrosa

Ressalva, ainda a identidade solidária da marcha que teve lugar em 2006, num misto de sentimentos de angústia e, também, felicidade e concretização:

Foi muito pesado porque estás a criar uma manifestação, um protesto, com base num assassinato tão brutal como foi aquele, não só pela forma como a assassinaram, mas também por causa dos protagonistas, de serem todos menores de idade. Cada reunião foi… havia ali um ambiente de pesar, de “temos que fazer isto bem feito”, e assim foi”. Aconteceram coisas fabulosas durante a preparação da primeira marcha. Estavamos a um ou dois dias da marcha e alguém se questionou sobre a aderência. Fizemos um pequeno panfleto onde de um lado tínhamos a face da Gisberta e, do outro, um pequeno texto onde dizíamos que ela não era diferente de outros dois acontecimentos que tinham acontecido no nosso país anteriormente, o assassinato de duas crianças, Joana Cipriano e Vanessa. Fomos visitar o Bolhão com esse panfleto, saber qual seria a “predisposição das urnas”. O que aconteceu foi termos experienciado sentimentos extraordinários, quer de produtores quer de clientes, que ralharam connosco sobre ser preciso matar alguém para se fazer a marcha no Porto. Foi bastante gratificante para nós. Partimos do local onde assassinaram a Gisberta e eramos poucos mais de 300.  Foi até hoje a única que teve uma contramanifestação, um partido fascista. Foi muito emotivo, fizemos um minuto de silêncio e a um sábado à tarde, no centro do porto, não ouvias nada. Foi arrepiante”.

Desde esse ano que, agregando, na sua organização um conjunto de ativistas oriundos de coletivos, associações estudantis e, ainda, partidárias, a Marcha do Orgulho tem colorindo, anualmente, as mentes e ruas do Porto.

 

17ª Marcha do Orgulho – Porto:

A 17ª Marcha do Porto aconteceu, pela primeira vez em dois anos, sem a imposição do uso de máscara e das restritas limitações a que a pandemia COVID-19 obrigou, o que permitiu, ainda, que se realizasse novamente, no final do percurso, o Arraial mais Orgulhoso do Porto. As reuniões preparatórias do evento antecederam-no em meses e contaram, segundo Filipe Gaspar,  membro da COMOP (Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho do Porto), com a participação de: Associação Gentopia: Associação Saber Compreender; Associação SOS racismo; A coletiva; Coletivo Traça: Coletivo Tuga Pride; Comunidade Movimento Humanista; Projeto Anémona; Associação Amplos; Coletivo Feminismos Sobre Rodas: Coletivo Afrekete; Coletivo Porto Inclusive; Associação Rede Ex Aequo; PolyPortugal; Coletivo Panteras Rosa; AE Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto; Grupo CADIV; Coletivo SheDecides. Além disso, foi essencial a colaboração da centena de voluntários que, durante a terceira semana de julho, se mobilizaram no sentido da colagem de cartazes, criação de faixas, entre outras tarefas preparatórias que permitiram a plena concretização do evento.

A Praça da República, no coração do Porto, abrigou as centenas de pessoas que pelas 14h se faziam já valer de coloridas bandeiras. Enquanto faixas se desenrolavam e a comunidade se reunia, deu-se início à distribuição dos autocolantes oficiais do movimento, onde se lia com clareza o mote selecionado para o presente ano “Contra a Opressão, Orgulho é Revolução”. Em linha com esta atividade, decorreu, ainda, a venda de rifas para o auxílio ao financiamento da marcha, que não conta com qualquer apoio municipal. Pouco antes das 16H envergavam-se já várias placas com frases diversas esclarecedoras dos motivos que mobilizavam os indivíduos, sobretudo referentes à violência, opressão e exclusão sentida pela comunidade LGBTI+, e que se intensificou com a pandemia.

Foto: Bárbara Pedrosa

Como indicou Filipe Gaspar ao JUP, apoiado no Estudo nacional sobre necessidades das pessoas LGBTI e sobre a discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais da CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género):

“A discriminação contra as pessoas de minorias sexuais e de género é ainda frequente em diversas situações e momentos do seu ciclo vital. Em Portugal, embora se registem progressos assinaláveis no patamar legislativo em diversos domínios (e.g., parentalidade, saúde, etc.), são ainda consideráveis os desafios impostos pela discriminação que as pessoas LGBTI+ enfrentam nos vários contextos em que se se movem ao longo da sua vida.

Ou seja, Portugal é um país progressista na lei, mas a consciência social não acompanha este progresso. Com o avanço da extrema-direita corremos o risco de perder direitos conquistados como estamos assistir, neste momento, nos EUA com a lei do aborto.

Assim, o ativista encontra nas recentes dinâmicas políticas experienciadas pelo país uma sóbria ameaça aos direitos da comunidade, que são direitos humanos e não deveriam, por isso, ser questionados ou ultrapassados, pelo que apela à consciencialização da população. Neste ponto, destaca-se a marcada presença de frases como “O CIStema mata”, “O Preconceito aqui não tem lugar” no movimento, as quais se revêm no próprio lema do mesmo, já que este é, per si¸ um ato revolucionário“.

O percurso tomado no ano de 2022 distinguiu-se daquele trilhado em anos anteriores, impossibilitado pelas obras que têm preenchido as ruas do Porto. Assim, o coletivo seguiu pela Rua da Boavista, aglomerando cerca de 10000 pessoas que abraçavam bandeiras LGBTI+, faixas diversas e vociferavam frases como “Sai do passeio e vem para o nosso meio”, “Nem menos nem mais, direitos iguais”, apelando a que os agentes que por ali passavam, conscientes da causa, se aliassem à mesma. A marcha contou, ainda, com a presença de três grandes bandeiras representativas da comunidade: bandeira LGBTI+, bandeira Trans e bandeira Bi, que cobriram as ruas. Passando pela rua de Cedofeita, pela Praça Carlos Alberto, Rua do Carmo, Rua Prof Vicente José de Carvalho, e Campo Mártires da Pátria, a marcha viria a culminar no Largo Amor de Perdição, onde o cenário contava já com um grande palco e dezenas de barracas dos coletivos organizadores do movimento, que prometia receber a população com comida, música e muita animação. Deste modo, foi pelas 18H que se deu início ao Arraial do Orgulho, onde a COMOP prestavelmente fez ouvir as palavras de ordem do movimento. Findas as intervenções, abriu-se o palco com a voz dos inúmeros artistas que aceitaram colaborar no evento: SLR; Judas; Peter&Simone; Água; Banda de CallCenter; Kitty Sweet; Orlando DragKing.

O episódio que sucedeu a marcha e decorreu até às 01H00  e contou com a presença de um intérprete de LGP, teve, ainda, espaço para o apelo à inclusão da comunidade surda, por via de uma intervenção onde se apelava a que “aprendam os gestos! Nós existimos também existimos”.  Além disso, marcou também a leitura do Manifesto “Contra a Opressão, o Orgulho é Rebolução!” onde se celebrava a democracia, recordando todos aqueles que por ela haviam sido perseguidos e criminalizados pela ditadura: “Erguemos assim os nossos cravos e reivindicamos todos os Direitos que nos são devidos e por inteiro”. O alerta para a transgressão da Lei 38/2018 não foi esquecido, marcando-se a identidade transfeminista do protesto, que teve, ainda, um ênfase ao nível dos pobres serviços de saúde disponíveis para as pessoas da comunidade, sejam pelo adiamento de consultas e cirurgias, pelo reduzido número de equipas de saúde destinadas à população Trans ou pelo acesso à IVG.

Foto: Bárbara Pedrosa

O Sistema Nacional de Saúde deve responder às necessidades de saúde de todas as pessoas, sejam essas necessidades sexuais, reprodutivas ou de saúde mental. O preconceito não cabe no Sistema Nacional de Saúde assim como o nosso dinheiro não cabe na Saúde Privada. Um Sistema Nacional inclusivo e equitativo só está do lado das pessoas LGBTQIA+ quando reconhecer a urgência do investimento público”.

A rejeição à opressão e discriminação pautaram também o manifesto do corrente ano, que condenou o CIStema machista, patriarcal e precário. Assim, a transversalidade marcou o movimento, já que se aliaram a causa feminista, a luta pela justiça climática, a luta anti-precariedade e a solidariedade para com comunidades migrantes, refugiadas e ciganas, diariamente ostracizadas.  A exposição não terminou, contudo, sem um apelo à Câmara Municipal do Porto, para que assumisse o compromisso Plano Municipal LGBTI+.

João Paulo aponta como principal diferença face à primeira marcha do orgulho, a aderência comunitária, que aumentou de 300 para 10000 indivíduos, apelando a que esta se realize, no próximo ano, com uma vertente também educacional, no sentido da amplificação dos propósitos sociais do evento. No horizonte da marcha, esperam-se inovadores mecanismos de inclusão, solidariedade e, principalmente, consciencialização pública.

A principal diferença é o número. Para o ano a marcha atinge a sua maioridade e espero que ultrapassemos a barreira, não só em questão de marcha mas que consigamos fazer ate lá muito mais: conferências, debates, para as pessoas não demonstrarem só a sua solidariedade mas estarem lá a defender outras questões”

 

A luta continua:

17ª Marcha do Orgulho no Porto Foto: Bárbara Pedrosa

Sobre a pertinência da continuidade do movimento, João Paulo indica:

É tão importante haver a marcha do orgulho como fazer o 25 de abril, o 1º de maio… estarmos atentos às “ervas daninhas do fascismo” e estarmos conscientes de que nada é garantido, a vida não é garantida. Uma das maiores importâncias de fazer a marcha todos os anos é dizer que nada disto é garantido, além de que há muito mais caminho para fazer. Isto é uma luta sobre direitos humanos e se provas disto precisássemos, teremos uma concentração segunda-feira porque há um docente que usa a plataforma Facebook para expor pensamentos fascistas, racistas e homofóbicos. Em 2021 temos uma pessoa com esta postura na docência universitária. Não pode haver espaço para uma postura destas, por isso, faz todo o sentido continuarmos a marchar todos os anos: primeiro para celebrar o que foi conquistado e fazer frente para que não nos sejam retiradas e, depois, para lutar por novos espaços e novas identidades, novas formas de assumir a sociedade que é um organismo em movimento e mutação completa. A sociedade que defendi na primeira marcha não é a sociedade que defendo hoje, já tem mais adendas e mais coisas para defender. A sociedade transforma-se e temos que estar atentos a essas mudanças“.

O Orgulho é celebrado por todo o mundo no mês de junho, em memória da revolução de Stonewall de 1969, pelo que apesar das inúmeras conquistas alcançadas, restam ainda batalhas a ser travadas.  Desde a concretização do evento de 25 de junho têm sido convocadas as redes sociais no apelo da comunidade à luta LGBT+, seja através do lançamento de uma campanha de intervenção social, “Não estás sozinho. Quando não acreditares, nós lutamos contigo! onde participam membros da organização, ou através da divulgação das marchas do orgulho que percorrerão o país nos tempos que se seguem.

Escrito por Carina Seabra

Revisão por Beatriz Oliveira

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