Sociedade
Representatividade no Congresso Nacional do Brasil
Eleições no Brasil
Domingo (dia 2) foram conhecidos os resultados da primeira ronda das eleições no Brasil. O foco dos meios de comunicação social foi a disputa entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva pela Presidência. Porém, houve um resultado na Câmara dos Deputados que foi, posteriormente, divulgado: duas mulheres indígenas e duas mulheres trans, uma delas negra, conseguiram, pela primeira vez, um assento como deputadas federais.
Povo indígena tem duas novas vozes
O número de candidaturas apresentadas por candidatos indígenas foi de 186 indivíduos, um que supera os 119% de candidatos das eleições anteriores, em 2014. No entanto, apenas 30 candidatos, que se dividiam na disputa entre diversos cargos (de deputados a governadores), foram oficialmente apoiados pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Sônia Guajajara é a coordenadora executiva da Apib, tendo constado, em maio de 2022, na lista da revista Times das 100 pessoas mais influentes do mundo, considerada uma “pioneira”, devido ao seu trabalho no âmbito da representação política da população indígena.
Agora, Sônia é também deputada federal do estado de São Paulo, o mais populoso do Brasil, tendo concorrido pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Foi eleita com 156.9 mil votos.
Guilherme Boulos, deputado federal, também do PSOL, ressalta, no texto de nomeação, que Sônia é filha de pai e mãe analfabetos e que desde cedo, “desafiou as estatísticas e conseguiu formar-se na universidade”. Entre outras medidas, Sônia trabalhou na construção de um fundo de 1700 milhões de reais na COP26 para apoiar os povos indígenas, liderou protestos e encabeça a luta pela preservação da floresta da Amazónia.
Sônia é a primeira mulher indígena de São Paulo na Câmara dos Deputados, mas a par dela, também Célia Xakriabá foi eleita, também pelo PSOL, por Minas Gerais, com mais de 101 mil votos.
Tal como Sônia, também Célia, doutorada em antropologia social, faz parte da Apib, tendo participado na sua delegação para a COP26, bem como na luta pela defesa do planeta Terra, e pela melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas, em áreas como a saúde e a educação. “Nas ruas, nos territórios, nos palcos e nas redes, expresso a minha voz e a minha arte para que tenhamos direito ao presente e ao futuro“, afirma.
Mulheres trans na “resposta ao fascismo” de Bolsonaro
Erika Hilton foi a mulher mais votada do PSOL, e a nona mais votada no seu estado, São Paulo, com 257 mil votos.
Erika tinha-se já destacado na política brasileira, ao ser a primeira mulher transexual a fazer parte da Câmara Municipal de São Paulo (onde era presidente da Comissão de Direitos Humanos), juntamente com o homem trans Thammy Miranda. Na altura, declarou à Folha de S. Paulo que a eleição constituía uma “resposta ao fascismo que o Bolsonaro trouxe ao Brasil”.
Em setembro de 2021, no mandato da Câmara Municipal, Erika Hilton criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Violência Contra Pessoas Trans e Travestis na Câmara Municipal de São Paulo. A Comissão tem, segundo Hilton, o papel de investigar casos de violência contra a comunidade, bem como de adotar medidas que a protejam, para que possam “minimizar o [seu] sofrimento”.
Em agosto de 2022, Erika recebeu ameaças de morte anónimas após denunciar as declarações onde Jair Bolsonaro relacionava a Varíola dos Macacos com a homossexualidade.
Agora, acredita existir uma “necessidade de reforma do Brasil”, e tem como objetivo “federalizar o debate” sobre o Programa Transcidadania, que tem como objetivo “a reintegração social e o resgate da cidadania para travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade”. Apoia, na segunda volta, a vitória de Lula, tendo afirmado por via da rede Twitter que “Todo o dia é dia de ganhar votos para o Lula da Silva”.
Entre as suas propostas, consta um orçamento de cinco mil milhões de reais para programas de combate à fome, num período em que 33 milhões de brasileiros sofrem desse problema, e a criação de um Sistema único de Saúde (SUS), de cariz público gratuito.
Erika faz parte do grupo minoritário de 33,4% de mulheres e de 49,6% de pessoas negras que apresentaram candidaturas para o Congresso, tendo, segundo a Folha, este último valor constituído um marco na representatividade. No entanto, segundo a mesma agência, na política brasileira continuam a predominar homens cis brancos.
Duda Salabert é também uma nova deputada trans, eleita com 208 mil votos pelo estado de Minas Gerais. Considera a sua eleição uma “vitória dos direitos humanos”. Também alvo de ameaça de morte durante a sua campanha, dirigiu-se às urnas de voto, no domingo, com um colete à prova de balas.
Em 2019, Duda saiu do partido onde tinha iniciado a sua vida política, o PSOL, “por não concordar com a transfobia estrutural do partido” e por considerar existir uma secundarização dos direitos dos animais: “enquanto vegan, ambientalista e defensora dos animais, não posso aceitar que a luta […] fique em segundo plano”.
Em 2016, criou a ONG Transvest (da qual ainda é presidente), que disponibiliza cursos educacionais a pessoas travesti e transgénero. Em 2020, foi eleita vereadora da Câmara Municipal de Belo Horizonte, tendo recebido mais de 37 mil votos, sendo assim a vereadora mais bem votada na história da cidade.
As suas principais prioridades são a educação, a dignidade menstrual (quer acabar com os impostos sobre produtos de higiene pessoal) e o ambientalismo, tendo-se comprometido a plantar uma árvore por cada voto que recebesse.
Escrito por: Carolina Bastos
Revisão por: Carina Seabra