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Sociedade

Direitos Humanos em pauta na Copa do Mundo no Catar

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Fonte: Pixabay

O pontapé inicial da Copa do Mundo, no Catar, ocorreu no passado domingo, dia 20 de novembro. Está previsto que mais de 1,2 milhões de visitantes internacionais viajem até ao país-sede, assim como muitos líderes governamentais e ídolos globais do futebol. Milhares de jornalistas vão cobrir “o evento de uma vez a cada quatro anos” e biliões de fãs vão assistir ao torneio na televisão, disputado entre 32 equipas.

US$ 200 biliões é o valor gasto pelo Catar para preparar a mais cara Copa do Mundo da história, em comparação com cerca de US$ 11 biliões gastos pela Rússia, em 2018. Contudo, a par da euforia da competição, aumenta também o número de denúncias contra o país anfitrião. Na lista, além dos casos de corrupção, os direitos humanos e os direitos trabalhistas são os mais apontados.

FIFA é acusada de corrução

Segundo várias investigações realizadas pelo jornal británico The Sunday Times, o governo do Catar é acusado de pagar uma quantia de US$ 800 milhões à FIFA, como meio de compra de votos de dirigentes do futebol, em favorecimento da escolha do país, como sede da competição.

O pagamento terá sido alegadamente realizado durante a gestão de Joseph Blatter, que se encontra banido, após ter sido indiciado por corrupção. Julio Grondona, ex-presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA), e Nicolas Leoz, ex-presidente da Conmebol, foram dois dos dirigentes acusados de receber os mesmos subornos.

Leis do Catar e Direitos Humanos

De acordo com um Relatório da Human Rights Watch (HRW), de 2021, as leis, os regulamentos e as práticas do Catar impõem regras discriminatórias de tutela masculina, que negam às mulheres o direito de tomarem as suas próprias decisões em aspetos da vida, como casar, estudar, trabalhar, viajar e receber cuidados de saúde reprodutiva.

Além disso, o Código Penal do Catar condena relações sexuais entre homens, maiores de 16 anos, até sete anos de prisão (artigo 285) e prevê penas de um a três anos para qualquer homem que “estimule” outro a “cometer um ato de sodomia ou imoralidade” (artigo 296). Em novembro, Khalid Salman, embaixador da Copa do Catar, descreveu a homossexualidade como “doença mental”, numa entrevista para a televisão.

As leis do Catar criminalizam qualquer crítica ao monarca e chefe de Estado, Emir Tamim bin Hamad bin Khalifa Al-Thani, além de insultos à bandeira nacional e difamações da religião, incluindo blasfémia e tentativas de “derrubar o regime”. Esta jurisdição já permitiu, segundo o jornal diário britânico The Guardian, que alguns jornalistas internacionais fossem detidos e forçados a confessar e a destruir o seu trabalho de investigação.

Direitos dos trabalhadores

O número exato de trabalhadores migrantes que morreram em projetos ligados à Copa do Mundo continua desconhecido. De acordo com a Human Rights Watch, “as autoridades do Catar falharam em investigar as causas das mortes de milhares de trabalhadores migrantes, muitas das quais são atribuídas a causas naturais”.

Segundo a HRW, os trabalhadores da Bin Omran Trading and Contracting (BOTC), uma empresa que tem vários projetos relacionados com a Copa do Mundo, fizeram inúmeras reclamações formais às autoridades do Catar, sobre o recorrente atraso de pagamentos, que atinge os quatro meses. No entanto, nunca obtiveram resposta.

A 14 de agosto, cerca de 60 trabalhadores reuniram-se em protesto na entrada da Al Bandary International Group, em Doha. Porém, foram reprimidos pelo governo e enviados de volta para as suas nações de origem. Os trabalhadores, de países como Bangladesh, Índia, Nepal, Egito e Filipinas, alegavam não serem pagos pelo seu trabalho há cerca de sete meses.

Embora agora a prática seja ilegal, muitos trabalhadores migrantes ainda estão na luta para pagar as suas dívidas, provenientes das taxas de recrutamento para trabalhar no Catar, que variam entre 1300 e 3000 dólares, e para enviar dinheiro para as suas famílias.

A reação de ativistas e das Seleções 

Desde o anúncio do Catar como sede do Mundial, em 2010, que diversos órgãos de ativismo social se têm pronunciado, alegando diversas violações perpetuadas pelo país.

A Amnistia Internacional fez parte da discussão, argumentando que as autoridades da nação do Golfo Pérsico reprimem a liberdade de expressão e de imprensa. Além disso, dizem persistir vários julgamentos ditos “injustos”, discriminação das mulheres e da comunidade LGBTI+ na lei e no seu quotidiano e abusos contra migrantes e trabalhadores domésticos, incluindo roubo de salários, trabalho forçado e exploração.

A HRW publicou, este mês, o “Qatar: FIFA World Cup 2022 – Human Rights Guide for Reporters”, que resume as preocupações da organização, associadas aos preparativos do país para a Copa do Mundo deste ano. O guia descreve também as políticas de direitos humanos da FIFA e a forma como o órgão regulador do futebol global pode prevenir com mais eficácia as violações no Catar, além de sublinhar que os parceiros e patrocinadores corporativos da FIFA, ao beneficiarem financeiramente da exposição das marcas nos jogos, estão também a promover as mesmas violações, caso nenhuma medida seja tomada.

Segundo Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch,

“A Copa do Mundo atrai imensa atenção da mídia internacional e dos torcedores, mas o lado sombrio do torneio está ofuscando o futebol.”

O relatório “If we complain, we are fired”, elaborado pela Equidem, instituição especialista em direitos humanos e trabalhistas, reuniu histórias semelhantes às apontadas pelas organizações já referidas. É o caso, por exemplo, de um queniano, que diz ter trabalhado 14 horas por dia no Estádio Lusail, sem ter as horas extra pagas, por mais de dois anos. Ainda de acordo com as apurações da instituição, as jornadas trabalhistas podiam chegar até as 18 horas diárias.

Impulsionados por denúncias contra o país-sede, os 64 jogos da competição vão ser disputados em modo de protesto por várias seleções. Um dos temas mais abordados é a homofobia, com tentativas de resposta à “Sharia”, lei que condena a homossexualidade e prevê penas como apedrejamento e sete anos de prisão.

Criado neste ano, o movimento One Love conta com a participação de sete seleções europeias – Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Inglaterra, País de Gales e Suíça – que, a princípio, iriam estampar um coração com as cores do arco-íris nas braçadeiras de capitão, mesmo sem autorização da FIFA. No entanto, após o posicionamento da entidade que previa punir os capitães com um cartão amarelo, as federações optaram por outra abordagem, através de manifestações, como a da seleção alemã, cujos jogadores taparam a boca na foto oficial, antes do início da partida contra o Japão.

A iniciativa estadunidense Be The Change, adotada em 2020, mostrou-se igualmente crítica em relação ao Catar. A federação dos EUA decidiu utilizar um logótipo com as cores do arco-íris nas instalações de treino e na sala de imprensa durante a competição. No entanto, não será usado durante as partidas oficiais.

O posicionamento do Catar e da FIFA

O Primeiro-Ministro e Ministro das Relações Externas do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, afirma que os protestos contra a Copa do Mundo resultam da “hipocrisia” das pessoas. Al Thani considera que o Catar é um país “muito acolhedor” e que “o mundo inteiro é bem-vindo”. “Tudo o que pedimos é que os fãs respeitem as nossas leis, assim como esperam que respeitemos as suas quando os visitamos”, acrescenta.

Já o Ministro do Trabalho do Catar, Ali bin Samikh al-Marri, alega que as críticas ao governo são “racistas” e propagam um “discurso de ódio”. Em entrevista à Agence France-Presse (AFP), o ministro afirma que “não há critérios para estabelecer esses fundos”, referindo-se aos 440 milhões de dólares em indemnizações reclamadas por diversas organizações de direitos humanos.

Gianni Infantino, presidente da FIFA, pediu recentemente, numa carta às equipas em competição, que evitem as questões políticas e de direitos humanos que giram em torno do país anfitrião e se concentrem apenas no futebol.

“Não permitam que o futebol seja arrastado para todas as batalhas ideológicas ou políticas que existem”, Gianni Infantino, em carta enviada às 32 seleções.

A entidade afirmou ainda que “o futebol não vive no vácuo” e que estão cientes de que existem muitos desafios e dificuldades de natureza política em todo o mundo. “Na FIFA, tentamos respeitar todas as opiniões e crenças, sem entregar lições de moral”, explica.

A controvérsia das críticas 

Apesar da mobilização dos EUA e da Europa, na tentativa de salvaguardar os direitos humanos na Copa do Mundo, politicamente os países têm realizado parcerias energéticas com o país-sede. Além disso, as mesmas nações ocidentais também são acusadas da violação de direitos humanos, como acontece em determinadas ações militares nas nações islâmicas, tornando os seus protestos alvo de críticas, sobre uma eventual seletividade.

Ainda que apoiados em relatórios internacionais, os especialistas alertam para o perigo da disseminação de discursos orientalistas e islamofóbicos, presentes nas abordagens dos media internacionais, principalmente os europeus.

Camila Medeiros, especialista em Relações Internacionais e uma das organizadoras do coletivo Najma, ressalva a importância de reconhecer os problemas e combatê-los, mas com respeito à cultura islâmica e sem discursos de ódio ou generalizações da religião.

 

Texto por Beatriz Mendes. Revisão por Maria José Coelho.