Espelho meu, espelho meu: como é que a arte ilustra este mundo meu?

Paula Alves, formada em design de comunicação, pela ESAD, encontra na ilustração um caminho para a partilha das suas reflexões e vivências quotidianas. A paixão assumida da artista deveu-se à necessidade de leitura recorrente de livros infantis para as filhas e, desde então, explica ao JUP, “desenhar todos os dias, trabalhar com as aquarelas, começando, não se consegue parar”, tendo, inclusive, ilustrado um livro infantil da autoria do marido. “Vamos às escolas apresentar e ele tem uma canção associada e os meninos saem de lá a cantar. Tem sido muito gratificante”. inúmeros mercados e exposições, como no Miramaia Shopping ou no Museu de Água de Coimbra, bem como participações em concursos, onde destaca o da  Ajudaris, através do qual foi selecionada para expôr no Museu de Amarante, assume uma vontade de querer evoluir, tendo obtido, entretanto, uma formação em belas artes pela FBAUP, e realizado variados workshops onde explora diferentes técnicas.

Mundividências: Arte com aguarela

Em 2023, através de uma parceria com o Alameda Shopping, surgem as Mundividências, em exposição no Art Spot até ao próximo dia 30 de junho.  As obras que a compõem, procuram, essencialmente, espelhar a realidade vivida por Paula Alves, fazendo a ponte com os fenómenos sociais que experiencia e para os quais procura despertar atenção, como o feminismo e a sustentabilidade. Destaca a obra “Habitat”.

“Uso muito a floresta, o deserto para alertar para as questões ambientais, para preservarmos o nosso planeta, porque começamos a ter cada vez mais sinais de que as coisas não estão bem, do aquecimento global e tento, de alguma forma, nas minhas obras, transmitir essa mensagem também. Não (o faço) de uma forma direta mas de uma forma que as pessoas vejam diferentes raças, diferentes animais… uso muito os animais, os cogumelos, a natureza, para que as pessoas também possam refletir e pensar que temos que cuidar dela, do nosso planeta, das nossas plantas, porque se cada um fizer uma pequena parte já vai ajudar muito e a arte é um caminho para despertar sensibilidades nas pessoas, acho que pode mudar mentalidades”.

As suas vivências pessoais, destacam-se também, nas ilustrações que desenvolve, marcadas pela sua identidade pessoal enquanto Paula e não só artista. A arte nas suas diversas formas, desde a música, pintura, literatura e cinema, é invocada enquanto fonte de inspiração, tal como os binómios urbanismo – identidade.

“O que está aqui são influências do dia a dia. Tenho, por exemplo, uma obra, a “Auda” , em que a personagem é uma referência ao livro “Volta ao Mundo em 80 dias”, do Júlio Verne. Tenho outra que é uma referência à série “Gâmbito de Dama”, outra que é a  “Bernardette” , uma referência dos IAMX, as cidades que mais visito e que me marcam, por exemplo Berlim, tem ali uma igreja que fizeram questão de deixar danificada para simbolizar a segunda guerra mundial, Praga, Amsterdão, o Porto, o nosso Porto.  Gosto muito de trabalhar a Ribeira, porque identificamo-nos todos com as casinhas da ribeira, é muito nosso, as pessoas gostam todas de ver a cidade dela representada. No fundo e isso, o que me influencia são pequenas coisas do dia a dia que me marcam, me fazem pensar e me fazem refletir sobre personalidades que são fortes, vincadas, no fundo é isso. Tenho recebido feedback muito bom. As pessoas identificam-se com as minhas obras. Acho que é o importante. A arte não precisa de grande explicação, a arte precisa de criar emoções nas pessoas”.

Serve-se de diversas e combinatórias técnicas para o enriquecimento das suas obras, assumindo uma preferência pela aguarela sobre papel. “Gosto muito de trabalhar as texturas, as volumetrias, a tridimensionalidade, criar algum realismo nas minhas obras”. Procura, também, reproduzir a tridimensionalidade do mundo real na tela. Aprofunda esta questão do espelhamento da realidade física e tácita no papel, servindo-se do da arte, da reflexão, interpretação e das viagens para permitir que os seus leitores possam viver uma vida que não a sua, agindo, ainda, enquanto veículo para a consciencialização da sociedade e promoção da cultura. É, simultaneamente, um espelho da realidade e um caminho para ela, porque através da arte podemos traduzi-la e pintá-la no mundo real, da mesma forma que pintamos numa tela.

Fotografia: Bárbara Pedrosa

Workshop

No passado dia 17 de junho decorreu, no mesmo local, um workshop incidente na combinação entre tinta guache e tinta da china, com lavagem de papel para a criação de trabalhos “divertidos e surpreendentes”. Paula Alves assume gostar de “dinamizar alguns workshops para que as pessoas de diferentes áreas que nada têm a ver com arte também possam experimentar”.

Não precisam de saber desenhar, é só podermos estar aqui a experienciar, pegar em diferentes materiais, diferentes saberes, diferentes vivências, juntar tudo isto e divertirmo-nos um bocadinho”. Além disso, “nunca fica tão bem da primeira vez, é preciso fazer uma sequência deles, (mas) o erro dá origem a um trabalho original, divertido e até bem feito”. Destaca-se, ainda, a sensibilidade face às diferentes origens, já que o custo simbólico apenas cobre o material utilizado, “a ideia aqui não é ganhar dinheiro e as pessoas depois podem levar os trabalhos para casa”.

Entre os participantes encontram-se Cristina Branco, já conhecedora dos trabalhos da artista, “tenho dois trabalhos dela, e acho que são maravilhosos, evidencia muito aquilo que é Portugal” que procura vir “descobrir mais sobre a técnica”. Hugo, por outro lado,  procurou, no passado domingo, um momento de partilha com a filha, a quem a arte diz muito, para “representar o mundo real ou para fugir dele”. Também Carolina, 24 anos, foi desafiada pela artista a experimentar a técnica, compartilhando o workshop com a mãe, “por acaso já tenho alguma experiência e contacto com o mundo das artes, a minha mãe nem tanto e é giro desafiarmo-nos e experimentarmos coisas novas”. Questionada sobre a ponte entre a arte e o mundo real explica que “é um escape, ajuda a relaxar, a descontrair, a fugir um bocado à realidade, explorar novas coisas que nos tiram da área de conforto, aprender e, muitas vezes, a ver os problemas de outra perspetiva, até porque, quando vejo arte, para mim pode ser uma coisa, para si pode ser outra e por aí fora. Este workshop ajuda mesmo com isso, fiz uma coisa em que não sabia como ia ser o resultado e para mim é uma coisa, se calhar para a Mariana é outra e ajuda-nos também a relacionar e a criar diálogo”.

Estiveram também presentes as filhas de Paula Alves, Mariana Rodrigues e Beatriz Rodrigues, procurando aprofundar as suas técnicas artísticas. Mariana indica “gostar muito de acompanhar o trabalho dela, é um orgulho enorme. Acho que esta técnica é muito interessante porque muitas vezes nem sempre ocorre a ideia de misturar invenções e acho que com água e tintas simples se criam obras incríveis e é uma técnica acessível, que toda a gente poderá experimentar em casa”. Partilha com a mãe a visão de que “a arte é uma forma de transmitir mensagens e, muitas vezes, fala por si. Através de uma obra consegue-se transmitir ideias”.

Beatriz Rodrigues explica que a sua participação não se restringe ao laço que partilha com a artista, mas ao interesse pelas dimensões de que a técnica se serve, “sempre gostei muito de artes e achei a técnica incrível, até porque nós nunca sabemos qual é o resultado e surpreende-nos muitas vezes”.

Falando agora da minha experiência, tinha idealizado uma coisa no meu desenho e, depois, ao lavar e fazer a técnica, ficou diferente”. Interliga este resultado com aquele experienciado no mundo vívido, “acho que isso se associa ao mundo real porque muitas vezes nós temos tudo muito planeado e está a apontar para uma coisa e, depois, corre de outra forma. Na arte também é assim, nós podemos só dar a volta e sei que é também uma forma de escape. Na época da censura e da guerra a arte, mesmo que não fosse mostrada ao mundo, era uma forma das pessoas se expressarem e expressarem o mundo que veem, ajuda a mostrarem os seus sentimentos e a forma como pensam sem ter de usar palavras, porque muitas vezes usar palavras distorce os sentimentos e a realidade das coisas”.

A jovem conclui, ainda, que  “a arte fala por si, é inigualável, inexplicável, não se consegue dizer em palavras”, uma frase com a qual Paula Alves também se identifica, “através dela  é como entrar noutro mundo, um imaginário, e sentir-me bem quando estou a criar estas obras (e através dela) conseguimos passar uma mensagem que fica gravada na memória através da imagem, da cor”.

Escrito por Carina de Nunes Seabra

Fotografia e Vídeo por Bárbara Pedrosa