Crónica
CONTA-ME COMO É SER CATÓLICO E GAY
Numa sociedade que se auto proclama defensora de condições não normativas e que assume não ter medo das diferenças, há ainda um longo caminho a percorrer. Se cada vez mais o ser humano luta contra o “tornar-se comum” e faz um esforço no sentido de se destacar, ao mesmo tempo, nem sempre tem a capacidade de aceitar quem, por si só, assume as suas diferenças como algo natural. A homossexualidade é ainda um tema tabu numa sociedade que, apesar de ser considerada como desenvolvida, a nível de mentalidades e aceitação não é tão desenvolvida quanto isso. Se a isso aliarmos a religião, o problema torna-se ainda mais sério.
Quando se pensa que a idade é fator determinante para as pessoas serem mais ou menos homofóbicas, estamos enganados. “Eu tenho uns familiares meus, na ordem dos 25-30 anos, que são perfeitamente homofóbicos. Porque foram educados num ambiente de touradas, surf, rugby, portanto desportos muito masculinos, por assim dizer. E já presenceei, embora não diretamente comigo, comentários que são perfeitamente homofóbicos. A idade não é factor de maior ou menor aceitação. Tudo depende da mentalidade, do meio e da educação que se leva”. Se antes tínhamos a conceção de que as pessoas mais velhas eram quem discriminava, em primeiro lugar, hoje, ao recebermos testemunhos de quem se assume como homossexual, percebemos que a história já não é a mesma.
Quanto à aceitação, enquanto religiosos, esta comunidade enfrenta também alguns desafios. Porque a Igreja ainda não chegou a um consenso e porque é preciso mais trabalho no sentido da abertura sobre este tema, é preciso que a homossexualidade deixe de ser um tabu. “Vou-lhe dar dois exemplos: duas situações que ocorreram em Fátima em dois momentos distintos quando me fui confessar. Na minha confissão não aparece a homossexualidade como pecado. O que pode acontecer é a existência de comportamentos ou situações em que eu ache que não fiz o que devia fazer e, aí sim, eu tenho que me redimir. Numa das vezes, um sacerdote recusou-se a dar-me a absolvição, disse que ou eu me retratava, ou não me dava a absolvição. E eu, claro, levantei-me e vim-me embora, mesmo sem absolvição. Noutro caso, a sintonia foi tal que acabamos os dois de mãos dadas e a chorar. Portanto há de tudo, há sacerdotes que aceitam a homossexualidade e há outros que não. E temos que nos reger pelos que aceitam.”
Alguém que se assume como católico e, simultaneamente, homossexual, tem alguns mitos a desfazer e é nesse exato sentido que trabalha a “Rumos Novos”. A “Rumos Novos” é uma associação católica que existe desde 2008, com sede em Portimão, estando no Porto apenas desde2013. Visa dar voz aos homossexuais, mostrando que homossexualidade e catolicismo não são dois temas incompatíveis. É possível alguém se reger pelos fundamentos da fé católica e, ao mesmo tempo, amar alguém do mesmo sexo. A “Rumos Novos” não é uma comunidade restrita: está aberta à participação de membros de outras confissões cristãs, não querendo, no entanto, tornar-se uma comunidade ecuménica, como nos refere o testemunho de um dos membros desta associação.
O seu percurso foi, no primeiro ano de atividade, no sentido de “desmistificar todos os argumentos que nos são apresentados como referências bíblicas”. E quem a integra diz-nos “Não vejo incompatibilidade nenhuma porque os fundamentos da fé católica e da fé cristã estão nas palavras de Jesus Cristo. E o que chegou até nós de Jesus Cristo foram os evangelhos. Nos evangelhos não vejo referência nenhuma à homossexualidade. Há alguns textos que nos apresentam relações sexuais entre homens, mas não com a ideia que hoje se tem do que é a homossexualidade, eram rituais de humilhação. Portanto o único desafio que eu tenho é tentar demonstrar as pessoas que olham para a homossexualidade como algo de anormal, que não há nada de anormal. E se eu sou homossexual é porque Deus me criou assim.”
É preciso trabalhar no sentido de abrir olhos e mentalidades a uma sociedade. É preciso entender que “Hoje em dia a homossexualidade, para nós homossexuais, é a homoafetividade que está lado a lado com a heteroafetividade”.