Sociedade
TIRAR A LIBERDADE AO JORNALISMO É TIRAR-LHE O SENTIDO
Yuriy Gruzinov é um dos mais vividos exemplos do movimento contra a censura no jornalismo. Nativo da Rússia, mudou-se cedo para a Ucrânia, onde filmou “Sobrevivente”, um documentário que lhe valeu três tiros, durante as filmagens. Em 2014, Yuriy e a sua equipa foram também capturados enquanto gravavam um documentário sobre o referendo da Crimeia, sendo postos em cativeiro durante seis dias, pelos separatistas pró-russos. Nesse período de tempo, toda a equipa foi espancada e torturada por se recusar, simplesmente, a dar informações das quais não tinha conhecimento. O cameraman do grupo Babilone 13 esteve na Faculdade de Letras do Porto, dia 23 de março, para apresentar o documentário, divulgar a situação crítica vivida na Ucrânia e responder às várias perguntas colocadas.
Já Felipe Pena escolheu a Faculdade de Engenharia do Porto para apresentar “Se Essa Vila Não Fosse Minha”. Na conferência, confessou também ter sofrido na pele com condicionantes à sua liberdade de expressão. Em conversa com o JUP, Felipe afirmou que a “Liberdade não é um conceito absoluto. Portanto, não existe o que se chama liberdade. Tudo é uma negociação em torno de limites, sejam eles éticos, morais ou profissionais.”
Quando se perguntou a Felipe se alguma vez sentiu que algum projeto seu já pôs em causa a sua posição em algum órgão de comunicação social por ser controverso, o jornalista foi bastante claro: “Quase sempre sinto isso. Mas se não estiver sentindo, não estou a trabalhar da forma correta. Se minha reportagem não serve para a empatia e difusão da solidariedade, não é jornalismo, é propaganda.”
Relativamente às situações de perigo às quais esteve sujeito enquanto filmava “Se Essa Vila Não Fosse Minha”, o seu primeiro documentário, o jornalista argumentou que foi ameaçado por pessoas que “defendem interesses políticos e económicos muito fortes”. Contou também que “um presidente da associação de moradores [da vila protagonista do documentário] já foi assassinado e até agora a investigação da polícia não foi concluída. E isso foi há 15 anos.”
Pressão Editorial e Social: Duas Perspetivas
A pressão editorial e social é sentida, muitas vezes, no jornalismo português. José António Pereira, jornalista da CMTV, contou ao JUP como é estar do lado de um órgão de comunicação bastante criticado, mas que produz o jornal mais vendido do país.
Ao contrário do que muitas vezes é acusado Correio da manhã, José António Pereira não considera o jornal sensacionalista. Admite que “a linha editorial do Correio da Manhã e da CMTV é mais popular, efetivamente, mas nunca me senti pressionado a tomar decisões ou a escrever de acordo com essa linha.” Acrescenta que “obviamente os serviços feitos são inseridos nesse caráter, mas os meus textos são escritos por mim, segundo aquilo que considero ser a forma mais correta de o fazer” e ressalva que “nunca me pediram que reescrevesse um texto ou regravasse uma peça por não estar inserida em linha editorial alguma.”
Em relação à pressão social, o jornalista afirma que não se sente diretamente afetado, apesar de se considerar um alvo mais fácil, devido à linha adotada pela CMTV e o Correio da Manhã. Segundo José, as críticas ao órgão de comunicação social, muitas vezes, não são fundamentadas e são feitas sem conhecimento prévio do trabalho dos jornalistas. “Essas críticas surgem sobretudo nas redes sociais e muitas pessoas partilham apenas porque os amigos partilharam. Algumas nem chegam a perceber o porquê de estarem a partilhar, mas as redes sociais têm esse efeito. Para o bem ou para o mal”, afirma.
Sendo o jornal preferido a nível nacional, supõe-se que o poder de venda poderia estar no topo da lista de prioridades dos editores. Mas o jornalista da CMTV contraria esta suspeita – “Não me parece que as pessoas se empenhem num trabalho em que não acreditem. Claro que no meio da comunicação social não se pode, de maneira nenhuma, descartar as audiências. Mas há ética para seguir, ainda que a linha editorial seja mais popular”, refere.
Ana Cristina Pereira é uma repórter do Público que se dedica, acima de tudo, a fazer jornalismo sobre direitos humanos e exclusão social. Quando confrontada acerca da pressão editorial na abordagem de certas temáticas, Ana retorquiu: “Toda a peça jornalística é um trabalho de grupo: envolve discussões e decisões a diversos níveis. A abordagem tem de ser discutida com quem está a editar. Como é natural, aconteceu-me discordar. Numas ocasiões, fiz valer o meu ponto de vista – venceram os meus argumentos. Noutros, quem estava a editar fez valer o seu ponto de vista – venceram os seus argumentos. Nunca vi algo “obscuro” nessas discussões. Estão relacionadas com critérios jornalísticos, meios, prazos.”
Relativamente ao panorama do jornalismo português atual, a jornalista refere a diminuição avassaladora das redações e a permanente necessidade de dar reposta, em tempo útil, aos acontecimentos, respeitando prazos ditados pelas edições online – “No incrível processo de emagrecimento a que as redações foram sujeitas nos últimos anos, a rede de correspondentes foi reduzida ao mínimo e, em muitos casos, a renovação geracional deixou de se fazer. Muitas vezes, há vontade de ir aos sítios e… Falta gente, energia, dinheiro, tempo. A ditadura do corre-corre dá corda à dependência de fontes oficiais e ataca a capacidade de questionar, de encontrar vozes alternativas. E isso, na minha opinião, é o grande atentado à liberdade de imprensa do momento.”
Quanto ao criticismo público, Ana encara-o como os “ossos do ofício”. Apesar de já ter tido reações “muito fortes” de autarcas relativamente a alguns dos seus textos, a repórter admite nunca ter sentido que o seu lugar no jornal fosse posto em causa. Aos comentários ofensivos nas páginas dos vários órgãos de comunicação social, a jornalista reage sempre tendo em mente a seguinte frase: “It’s such a beautiful day… why would you spoil it by reading comments?”
O mundo está a mudar e o jornalismo tenta sempre acompanhar o seu passo. Mas há velhos vícios, preconceitos e medos que resistem ao passar do tempo. Ana Pereira alerta: “Quando as pessoas passam o tempo a correr, têm menos tempo para pensar o mundo e para pensar o jornalismo que fazem. E isso é perigoso.”
No entanto, como Felipe Pena defende “Há horas em que um jornalista tem que dizer «foda-se» e enfrentar o que for necessário. Estas são as horas em que sabemos que estamos fazendo o trabalho correto e não apenas repetindo estorinhas para dormir.”
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