“SEGUIREMOS EM MARCHA, ATÉ QUE TODAS SEJAMOS LIVRES”

São três horas da tarde. Na Praça Gomes Teixeira – mais conhecida por Praça dos Leões – juntam-se mulheres vindas de todo o mundo.   Trazem cartazes, faixas, gritos ensaiados.  Um estendal com peças de roupa vermelha dá cor ao espaço e contrasta com o preto que elas vestem. Cada  uma representa a história de uma mulher que morreu vítima de violência doméstica. Chamam-lhes “Maria”. E hoje, em nome de todas as “Marias” que já não têm voz, todas as que aqui se juntaram são “Marias” também.

«Maria» tem cabelo curto e cinzento. Ao pescoço traz a história de uma mulher que foi morta pelo marido com uma arma branca, no Seixal. Também ela diz ser “filha da violência”. Momentos que prefere não recordar e pelos quais grita agora. Realça a importância de marchas como esta por ser “necessário dar visibilidade ao número assustador de casos em que o machismo mata”.  Também uma das “Marias”, responsável pela organização, vê a iniciativa como essencial: “A marcha contra a violência e o Festival em si surgem como forma de expor estes casos, estas Marias, e de lhes dar voz. Só assim o país pode ganhar consciência e podemos lutar para mudar a realidade”.
E a realidade  é, de facto, assustadora. Em 2014, 44 mulheres morreram  vítimas de violência doméstica. São mais cinco casos que em 2013. Só no primeiro trimestre deste ano, o INE deu conta de nove ocorrencias, que elevam o número de mortes para 407 na última década.  Por arma branca, afogamento, estrangulamento. De várias maneiras morreram estas “Marias” que agora são homenageadas nos Leões. As “Marias” que vivem lêem as histórias das que morreram. Assim que acabam, vão-se deitando, uma a uma. Já não há roupas no estandal. Vestiram o vermelho da luta, que esconde agora o preto do luto.

«Maria» é um homem que não compreende as estatísticas. “Nunca seria capaz de tocar numa mulher”, diz convicto. Lida com estes casos todos os dias no centro de apoio à vítima onde trabalha, em Inglaterra. A experiência fê-lo acreditar que o problema começa desde cedo, quando “os miúdos são habituados a controlar as namoradas” e lhes perguntam onde vão, com quem estão ou o que fazem. Para ele, esta forma de estar “estende-se e intensifica-se até à idade adulta”, transformando-se em violência física, psicológica e social. Diz-se, por isso, um feminista:  “Para mim ser feminista não é coisa só de mulher. Ser feminista é lutar pelos seus direitos, pela igualdade de género,pela dignidade. Qualquer homem que se preze devia faze-lo.”  Como tal, veio de propósito de Inglaterra para se juntar à manifestação, sendo um dos três únicos homens presentes.

De propósito veio também a Caravana Feminista, que alberga mulheres de todo o mundo.  A viagem começou dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, no Curdistão.  “Maria” é brasileira e nos últimos sete meses  tem percorrido várias cidades. Com um megafone, lidera as feministas que saem agora da praça dos Leões. A próxima paragem é a Avenida dos Aliados. Em coro, ouvem-se  gritos como “Seguiremos em marcha, até que todas sejamos livres” ou “O machista ladra e a caravana passa”. E enquanto elas passam, despertam a atenção dos que por ali andam. Fernado Silva não sabe o que é o feminismo mas está impressionado: “ Isto é que são mulheres do Norte!”.  Do Norte e não só, juntam-se agora nos Aliados para um momento de partilha de experiências.  “Maria”, ainda de megafone na mão, é a única que se chega à frente. Partilha a sua visão sobre questões relacionadas com a polémica das alterações à lei do aborto, a igualdade de habitação e as condições profissionais. Questões que, nos últimos meses, tem tentado combater. Considera, acima de tudo, que “ainda há muito caminho a percorrer até que a mulher consiga os mesmos direitos que o homem”.

Seguem em marcha até aos poveiros, onde termina o dia. Seguirão em marcha “até que todas sejamos livres”.