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Sociedade

OS SEGREDOS QUE A SEXUALIDADE NOS ESCONDE

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“A masturbação era algo mal visto e pecaminoso”

Algo que afeta o desenvolvimento psicossexual é a influência cultural.A masturbação, por exemplo, é proibida em muitas culturas. Isto terá algum tipo de repercussões no modo como encaramos o sexo?

Na sexualidade, a masturbação, como todas as práticas em diferentes áreas, reúne os grandes mitos, os grandes tabus e aquilo que não podemos abordar. A masturbação, também na nossa cultura, era algo historicamente mal visto e pecaminoso.

Na nossa?

Claro que sim. Era suposto prendermos as mãos dos meninos durante a noite, bater e castigar para que eles não tivessem esse tipo de comportamento. Com raízes em Itália, particularmente, nós temos toda uma influência religiosa que diz que estávamos a pecar e a desperdiçar vida, porque o sémen era associado à vida. E ainda há tratados médicos que dizem que isso provocaria doenças pulmonares e tuberculose.

Isso não se verifica hoje, certo? Os pais não prendem os filhos.

Isso não se verifica hoje de uma forma generalizada. Estamos a falar de Portugal e naquilo que é mais próximo. Não posso garantir-lhe que não existam determinadas práticas específicas escondidas. Mas verificava-se em colégios e internatos, particularmente associados à religião, não há tanto tempo assim. No século passado.

“Emissões orgásticas femininas são mitos”

Vamos agora abordar o ato sexual propriamente dito. Vamos falar da prática. O desempenho sexual é muito influenciado pelas nossas expectativas e crenças?

É curioso que fale sobre isso. E a resposta é “sim”. Aquilo de que estou à espera, e muito mais numa lógica comportamental e cognitiva e de uma leitura do nosso funcionamento a esse nível, está a determinar também o meu próprio comportamento, a minha avaliação e a perceção que eu tenho dos acontecimentos e das sensações. Vamos falar do orgasmo. Orgasmo feminino.

Era o que ia referir.

O orgasmo feminino não tem uma tradução concreta, objetiva. O orgasmo masculino tem. Há uma ejaculação, há uma emissão de esperma. Por norma. O orgasmo feminino é uma sensação subjectiva de prazer. Há algumas definições, como a das contracções rítmicas da plataforma peri vaginal. Mas, na verdade, esta definição vai depender de cada mulher. Muitas vezes, o facto de eu esperar que seja uma coisa brutal, como um tremor de terra que os filmes relatam, em que há gritos, está a condicionar essa sensação. Se calhar essa sensação pode implicar isso, mas não tem de ser necessariamente assim.

E o ponto G?

O ponto G é o ponto de maior sensibilidade. Olhe, o ponto G pode ser o seu nariz, se gosta muito que lhe toquem no seu nariz e sente sensações interessantes. Na mulher, mais tradicionalmente e comumente, será o clitóris, porque tem muita enervação, captação de muitos estímulos.

É mais sensível, digamos.

Muito mais sensível, sim, senhor. Mas não há a emissão de líquidos. Está provado que aquilo que às vezes se traduz numa perda de líquido é o corrimento vaginal associado, às vezes, a pequenas perdas de urina. Não há nenhuma vesícula que contenha nenhum líquido, nenhuma produção específica da componente sexual para fazer essa emissão e produzir esse líquido. O homem tem toda a produção ao nível da coluna vertebral que vai depois ser armazenada nos testículos, que permitem depois a emissão. Não é o que acontece na mulher. Estamos a falar da sudação, do corrimento vaginal associado a diferentes fases do ciclo e à própria lubrificação decorrente de uma estimulação e do facto de se estar excitado.

“Pode ter acontecido passar para uma relação homossexual”

Sim, claro. Orientado a conversa para a homossexualidade, de acordo com alguns especialistas, é importantíssimo ver a atividade homossexual no período da pré-adolescência e da adolescência como uma parte normal do desenvolvimento sexual. E na idade adulta? Há indivíduos de orientação heterossexual a estabelecer relações homossexuais?

Vamos lá ver. Em termos de orientação sexual, nós temos a possibilidade tradicional de definir entre heterossexuais e homossexuais. Heterossexuais com uma orientação sexual para o sexo oposto e homossexuais para o mesmo sexo. Cada vez mais fomos evoluindo e sabemos que não temos de ter esta visão de duas caixinhas únicas no mundo, em que todos têm de se encaixar. E eventualmente, temos situações de pessoas que em determinadas fases da vida sentem uma atração de caráter romantizado e sexualizado mais para o mesmo sexo, mais para o sexo oposto. Não acontece com a maioria, mas sim, acontece. Acontece, também, as pessoas sentirem atração em simultâneo no mesmo dia pelos dois sexos.

Bissexualidade.

SR – Sim, também. Fomos evoluindo, fomos tendo mais casuística clínica de diferentes situações que nos são colocadas e fomos conhecendo e ouvindo mais pessoas nas suas vivências. E isso é possível. Pode ter acontecido eu ter uma relação heterossexual, sentir-me confortável nela, e depois passar para uma relação homossexual. Da mesma maneira que eu posso ter uma vivência dentro da heterossexualidade com o João e depois as coisas já não são o que eram e termina o encantamento.

Pois, até porque a sexualidade não é estanque.

Exatamente. Da mesma maneira, podemos considerar a atração sexual e o que nos excita como consequência das características das pessoas e dos corpos, quer masculinos, quer femininos. Outras pessoas descrevem que o que lhes excita sexualmente serão características da personalidade. E a personalidade não escolhe um corpo específico. Umas vezes, eu encontro essas características, que me deixam perfeitamente seduzido, num homem, outras vezes numa mulher.

“Só estamos a falar de sexo seguro”

Sim. Em relação à prática sexual entre homens, é habitual associá-la a muitos problemas de saúde, sobretudo. Falo concretamente da sodomia, ou sexo anal. Esta prática é prejudicial para a saúde?

O que nós temos inicialmente é uma associação de problemas sexuais e de saúde à homossexualidade masculina. Porquê? Porque historicamente tivemos o aparecimento da SIDA e do HIV muito associado ao comportamento homossexual. Nós sabemos, cada vez mais, que não é isso que acontece. Nós sabemos que as fontes de transmissão passam pelos contactos sanguíneos e o esperma, em relações sexuais. Mas não tem de ser numa relação homossexual. Pode ser numa relação heterossexual. Se me diz que o orifício e a mucosa anal não têm a elasticidade e a capacidade de se flexibilizarem para receber a penetração, como tem à partida toda a cavidade vaginal, em termos anatómicos, mais facilmente eu posso ter pequenas fissuras na entrada do ânus. E se houver alguma situação vírica, tem-se ali uma porta de entrada. Mas repare, se estamos a usar preservativo, estou a proteger-me também a esse nível. E se eu estou em penetração heterossexual, pénis-vagina, sem o uso de preservativo, pode não haver lesões mas há na mesma a possibilidade de transmissão de doenças através dos líquidos seminais. Portanto, à partida, como iria haver maior probabilidade de doença em homossexuais? Historicamente, insiste-se na ideia de maior promiscuidade, de relações menos estáveis e de doenças nos homossexuais. Mas não é pela orientação sexual. No fundo só estamos a falar de interação sexual segura em diferentes práticas. E repare, a homossexualidade não pressupõe necessariamente a penetração anal.

Pressupõe a masturbação também.

E vou dizer-lhe ainda mais. E os heterossexuais? Não têm penetração anal? Têm. A penetração anal da mulher também é possível. Portanto, temos a mesma situação envolvida. À partida não haverá riscos acrescidos. Estes riscos acontecem pela prática em si. Pode haver dor, sensibilidade acrescida, a dispareunia, a dor sexual, e esta pode estar mais presente na medida em que a mucosa anal tem outras características e nem sempre é tão flexível. Para a homossexualidade feminina há também diferentes objetos e práticas que são incluídos na interação sexual e que podem levar à penetração.

Última pergunta, para rematar: a sexualidade será indispensável no nosso bem-estar físico e psicológico?

A sexualidade está presente em tudo, tudo o que eu sou, tudo o que eu faço, como eu me determino face ao outro. É crucial enquanto aspeto de interação e de relação. Não é o único fator, mas é muito importante. Em terapia de casal, dificilmente não se aborda a questão sexual. Ela poderá não ser o problema que se apresenta como aquele mais premente, mas habitualmente é afetada. Outras problemáticas relacionais afetam a sexualidade. A vivência disfuncional da sexualidade num casal, seja ele de que tipo for, afeta essa própria relação. Sentir-me gratificada e sentir-me bem na minha pele é crucial para o meu desenvolvimento e para a minha estabilidade como pessoa. O que não quer dizer que eu não possa sentir-me bem, gratificada, estável, sem uma prática sexual frequente ou sem uma prática sexual, ponto. Mas sim, assume um papel muito importante.

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