Sociedade
O regresso do regime Talibã e o Retrocesso dos Direitos das Mulheres

A 15 de agosto de 2021, passados 20 anos desde a queda do 1.º regime, os Talibã regressaram ao poder político no Afeganistão, ao tomarem a sua capital – Cabul. As medidas sucessivamente anunciadas desde então até à atualidade contrapõem-se às promessas feitas pelos próprios talibãs, com destaque para o retrocesso alarmante dos direitos das mulheres.
Com a retirada das tropas americanas e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) do solo afegão entre maio e agosto de 2021, em pouco mais de três meses os Talibã – o movimento fundamentalista e nacionalista islâmico qualificado como organização terrorista pela União Europeia – regressaram ao poder pela primeira vez em cerca de duas décadas. Esta retirada foi consequência do acordo celebrado em fevereiro de 2020, perto do final do governo de Trump, entre os Estados Unidos e os Talibã, popularmente conhecido como Acordo de Doha ou Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão.
No acordo ficara estabelecido que, entre os meses de maio a setembro de 2021, as tropas americanas se retirariam do Afeganistão, com a garantia de que esse território não poderia vir a ser utilizado no futuro como local de planeamento ou de execução de quaisquer esquemas contra o governo americano. Na prática, as tropas americanas acabaram por se retirar por completo mais rápido do que o previsto, nunca tendo chegado a ocorrer qualquer diálogo quanto ao futuro político do país.
Consequentemente, nos meses seguintes à celebração do acordo, com a saída do antigo presidente Ashraf Ghani do país, o governo afegão acabou por cair, gerando progressivamente um aumento de violência por todo o Afeganistão, sobretudo gerado pela ambição dos Talibã em regressar ao poder, que culminou com a conquista de Cabul, a capital, a 15 de agosto de 2021.
Desde então que o terror e o medo se reinstalaram no Afeganistão, principalmente entre as mulheres, que têm se visto supridas de determinados direitos fundamentais de ano para ano. “As mulheres vão ser muito ativas na nossa sociedade” foi algo insistentemente reproduzido nas primeiras conferências de imprensa dadas pelos Talibã nos dias seguintes à conquista de Cabul. Contudo, a realidade não poderia estar mais longe do que fora prometido, com retrocessos sucessivos desde a retoma do poder até à atualidade.
Ainda em setembro de 2021, o ensino secundário passou a ser exclusivo aos cidadãos do sexo masculino. Na mesma semana, foi eliminado o Ministério dos Assuntos das Mulheres, que foi substituído pelo Ministério dos Costumes e das Virtudes, e foi limitado o seu acesso a cargos da função pública, exceto aqueles que não poderiam ser exercidos por homens, pois envolvem o contacto direto com mulheres.
A vedação do acesso à educação ao sexo feminino tem vindo a alarmar as autoridades internacionais, nomeadamente a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que considera que tais medidas contribuem para o aumento do trabalho infantil e de casamentos precoces: “A Unesco está alarmada com as consequências prejudiciais dessa taxa crescente de abandono escolar, que poderia levar a um aumento do trabalho infantil e dos casamentos precoces. Em apenas três anos, as autoridades de fato quase eliminaram duas décadas de progresso constante no ensino do país, e o futuro de toda uma geração está ameaçado.”. Desde 2021, milhões de adolescentes e jovens adultas estão impedidas de enveredar para além do 6.º ano e, consequentemente, ingressar no ensino superior – é o único país do mundo a proibir totalmente tal acesso.
Nos meses seguintes, mais restrições foram gradualmente sendo impostas, nomeadamente à circulação e mobilidade das jovens e mulheres afegãs, que inicialmente se aplicavam somente a viagens longas (dentro e fora do país), mas que acabaram por se estender a qualquer deslocação feita por uma mulher. Hoje em dia, as mulheres necessitam de estar acompanhadas por um homem da sua família (de sangue ou matrimonial), intitulado como sendo seu tutor (“mahram”), inclusive para pequenas deslocações feitas dentro de transportes públicos, sob pena de serem interrogadas ou mesmo detidas.
As limitações e proibições vão muito além da Educação e das deslocações femininas. O seu direito de reunião também ficou visivelmente afetado, quando em julho de 2023 as mulheres ficaram impedidas de entrar em salões de beleza e cabeleireiros, os únicos locais em que, até então, ainda se poderiam reunir e conversar sem qualquer controlo do regime. Inevitavelmente, milhares de mulheres ficaram desempregadas em decorrência dessa proibição.
Em relação ao vestuário, o que a princípio se limitava a recomendações do uso de “roupa modesta” rapidamente se transformou em exigências, estando neste momento e desde maio de 2022 qualquer mulher proibida de se maquilhar e de vestir algo para além da burca, por ser mais “tradicional e respeitoso”, de acordo com Hibatullah Akhundzada, o atual líder supremo do Afeganistão. O mesmo documento que decretou esta medida prevê ainda que “caso não tenham algo a fazer no exterior, é melhor para elas ficarem em casa”. Sendo assim, várias ações de fiscalização são feitas diariamente nas ruas do Afeganistão, de modo a garantir que todas estas regras sejam cumpridas.
Mais recentemente, as limitações têm ido além do modo como as mulheres se apresentam em espaços públicos, chegando até dentro das suas próprias casas. A partir de agosto de 2024, as mulheres deixaram de poder cantar, recitar ou até mesmo falar em público. Em suma, o som da voz feminina em público ficou totalmente proibido. O mesmo documento estabeleceu, de igual modo, que o rosto deverá estar sempre totalmente coberto para “evitar a tentação e a tentação dos outros”, e que o tecido da burca deverá ser grosso, de forma a não revelar quaisquer traços femininos de quem a vista.
Em dezembro de 2024, os talibãs proibiram a construção de janelas em locais onde mulheres possam ser vistas, com a justificação de que “ver mulheres a trabalhar em cozinhas, pátios ou a tirar água de um poço pode levar a atos obscenos”. Ou seja, se o espaço dedicado à confeção de alimentos estiver perto de uma janela, então a mulher deverá cozinhar noutro local ou bloquear totalmente a visibilidade da janela.
Todas estas medidas são – no entender talibã – formas de proteger a privacidade e a moral das mulheres, garantindo a sua segurança. Todavia, cada uma destas restrições representam exatamente o inverso para o sexo feminino do Afeganistão, que outrora viveu em liberdade. Ideia essa que, inclusive, é partilhada pela comunidade internacional, nomeadamente pelo alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, que, no final de 2024, declarou: “Nenhum país pode progredir política, económica ou socialmente se excluir metade da sua população da vida pública. Para o bem do Afeganistão, as autoridades têm de mudar de rumo”.
Artigo por: Bruna Moreira
Editado por: Ana Pinto e Maria Inês Faria
